A importância da Comissão Nacional de Socorro aos Presos Políticos
Um grupo de cidadãos, integrado por dezenas de personalidades de sectores sociais, profissionais e áreas geográficas diversas, entregou na Presidência do Conselho de Ministros um documento, datado de 31 de Dezembro de 1969, no qual anunciava a constituição da Comissão Nacional de Socorro aos Presos Políticos (CNSPP), baseada no artigo 199 do Código Civil. Neste estava prevista a formação de comissões especiais, não sujeitas ao reconhecimento oficial, para acções de socorro ou beneficência. Os signatários consideravam que a existência de presos políticos era justamente uma situação de calamidade. Deve dizer-se de calamidade nacional na medida em que a polícia política, com diversos nomes ao longo dos anos, tentava fazer do medo a prisão do país e da intervenção política um risco ameaçado com a cadeia.
A CNSPP procurava responsabilizar o Governo e alertar a opinião pública perante a gravidade da permanente violação das liberdades e direitos fundamentais, pela actuação da polícia política todo-poderosa, ao abrigo de uma legislação penal perversa, sob arbítrio de um tribunal especial. Além do auxílio prestado aos presos políticos e às suas famílias, por forma directa, constituiu sempre preocupação desta comissão a constante chamada à responsabilidade de todos aqueles que integravam as engrenagens da repressão política.
Essas tomadas de posição tiveram as mais variadas formas de expressão, nelas se incluindo exposições de factos concretos sobre a situação dos presos, telegramas e cartas de protesto quanto ao tratamento de que eram vítimas pelas autoridades policiais e prisionais, denúncias de abusos e ilegalidades praticadas por essas mesmas autoridades.
O primeiro comunicado da CNSPP foi lançado ao país, de modo a não ser interceptado, a 20 de Janeiro de 1970. As actividades da referida comissão só foram possíveis pela aceitação que encontraram, tanto no País como no estrangeiro, especialmente na Europa. É de referir, também, o enorme interesse e a solidariedade que o problema dos presos políticos em Portugal merecia de organizações humanitárias, sindicais e mesmo políticas em diversos países, bem como de numerosos meios de informação.
Nuno Teotónio Pereira, um dos mais destacados arquitectos obreiros e fundadores da Comissão, enalteceu o significado e alcance político e social da diversidade dos percursos humanos políticos e religiosos: «Esta Comissão era suprapartidária, constituída por muitos elementos independentes, de partidos políticos e por outros ligados às diferentes formações partidárias que constituíam a oposição ao regime. É assim que, para além daqueles elementos independentes, entre os quais nove padres católicos e um protestante, faziam parte da Comissão pessoas ligadas ao PCP, ao futuro partido socialista e às várias correntes marxistas-leninistas que então despertavam para a acção. E isto não foi tarefa fácil, dado o antagonismo com que se defrontavam no terreno político algumas dessas formações» (Cf. Nuno Teotónio Pereira, “A Comissão de Socorro aos Presos Políticos”, Público, 17.01.1995).
Essas dificuldades foram superadas porque todos os presos políticos eram socorridos da mesma maneira pelas diversas intervenções da comissão. À comissão só lhe interessava a condição de preso político sem mais considerações.
Frei Bento Domingues, O.P.
Janeiro de 2022
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