Associativismo Atividade política Igreja católica

Direito à Informação (1963-1968)

O Nuno considerava fundamental para instaurar a democracia em Portugal divulgar uma verdadeira informação sobre os problemas sociais e políticos do nosso país e do mundo. Sem isso, dizia, as pessoas não poderiam ter a consciência da mudança que era necessário fazer porque estávamos encerrados em noticiários com informações forjadas pela ditadura e que não permitiam uma aquisição de consciência política e social.

Neste contexto, o Nuno e a Natália conceberam este projecto de divulgação de informação justa e verdadeira ao qual os cidadãos tinham direito – daí o nome do pequeno jornal clandestino “Direito à Informação” que veio a ser divulgado em todo o país a partir de 1963, tendo saído18 números até 1968. Chegaram a imprimir-se 3.000 e mesmo 4.000 exemplares.

O início da definição da programação e suas linhas mestras teve lugar em casa do Nuno de Bragança, que a cedeu para essa reunião sem saber os seus objectivos. Tal era a confiança que depositava no Nuno. Ficou logo decidido que o jornal devia ser feito usando todas as regras da clandestinidade, assim cada um que fazia uma parte do trabalho não estaria a par dos outros que actuavam nas diversas etapas do processo. “A clandestinidade a que nos obrigam é para nós um risco como também é uma honra”, explicita-se no 11º número.

O Nuno, com a sua capacidade de organização e sabedoria, tinha delineado o projecto com claros princípios: selecção da informação fundamental, de seriedade rigorosa, e distribuição atingindo todo o país. “Ao longo dos seis anos em que foi publicado, o modesto boletim, sem deixar de referir acontecimentos e situações silenciados pela censura, como a miséria do povo trabalhador, as lutas estudantis, e a repressão exercida pela PIDE, foi dando crescente desenvolvimento ao grande desafio colocado à consciência dos cristãos entre nós: o prosseguimento, com a bênção da Igreja, duma guerra injusta e sanguinária.” (PEREIRA, Nuno Teotónio. “Da guerra colonial à capela do Rato”, A cor das solidariedades: 30 anos do CIDAC, Lisboa: 2004)

Havia várias etapas.

A selecção de informação, tradução de artigos e a dactilografia: as fontes foram enumeradas no 1º número: “Alinhamos aqui documentos de vária natureza, desde encíclicas dos Papas a pastorais dos bispos, a testemunhos de particulares”. No meio estavam excertos de publicações nacionais (suprimidos pela censura) e artigos da imprensa estrangeira.

A impressão: esta constituía uma difícil e perigosa tarefa, por isso os locais foram variando, desde paróquias dirigidas por padres simpatizantes, até partes de casas insuspeitas.

A paginação e o empacotamento: numa determinada casa, previamente avaliada como tendo boas condições de segurança, recebiam-se as folhas impressas que eram paginadas. Uma parte era depois dobrada e empacotada para ser distribuída. Tudo isto à noite e aos fins de semana, com a colaboração de várias pessoas conhecidas.

O preenchimento dos envelopes: outra parte da distribuição era feita pelo correio. Havia fichas com os nomes, endereços e a indicação do número de exemplares a enviar em cada caso. Usavam-se envelopes correntes no mercado, de formato e tipo variado, com remetentes de departamentos inventados. Às vezes utilizavam-se envelopes timbrados de diversas instituições a que se conseguia ter acesso.

A distribuição: os destinatários dos exemplares enviados por via postal eram sobretudo personalidades que convinha que tivessem conhecimento desta informação, incluindo quadros da Igreja católica, tão conivente com o regime de Salazar. O objectivo era fornecer uma informação séria do que se passava em termos sociais e políticos no país, e mostrar que havia grupos que trabalhavam de forma pacífica e responsável para uma mudança da nossa sociedade, preparando-a para uma “mudança radical”. A divulgação pelo território era feita por voluntários que levavam pacotes para distribuir em diversos locais: associações de estudantes e de trabalhadores, grupos da Acção Católica, entre outros.

A avaliação da distribuição: em várias instituições e rodas de amigos havia quem levasse a conversa para a existência de um jornal clandestino que andava a circular… assim recolhendo confirmação da sua recepção e opiniões, ou silêncios, sobre o tema.

Muitas pessoas colaboraram neste conjunto de operações que davam origem ao “Direito à Informação”. Entre elas: os padres António Jorge Martins, António Correia, Adriano Botelho, Ismael Nabais e Carlos Póvoa, Frei Bento Domingues, Alberto Magalhães, Ana Vicente, Francisco Jorge Martins, Joana Lopes, João Correia Rebelo, Joel Hasse Ferreira, Jorge Almeida Fernandes, Luís Jorge Martins, Maria Amália Magalhães, Maria dos Anjos Catry, Maria da Conceição Neuparth, Maria de Fátima Patriarca, Maria Helena Castro Torres, Maria Vitória Vaz Pato.

Apesar de todos os esforços, a PIDE nunca identificou os membros desta rede, nem conseguiu apreender quantidades significativas de exemplares.

Maria Vitória Vaz Pato
Janeiro de 2022

Este texto está licenciado com a licença Creative Commons BY-NC-ND: é permitido copiá-lo e distribuí-lo gratuitamente; obriga à referencia à autoria; proíbe o seu uso para fins comerciais; e não permite a sua modificação.


CONTEÚDOS RELACIONADOS

Ver É co-fundador da publicação clandestina Direito à Informação
Ver Testemunho de Maria Vitória Vaz Pato
Ver Testemunho de António Correia