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MRAR – Movimento de Renovação da Arte Religiosa (1953-1966)

O Movimento de Renovação da Arte Religiosa (MRAR) foi fundado em 1953 por um grupo de arquitetos e artistas plásticos que se empenharam, juntamente com pessoas de outras formações, em promover a modernidade e uma maior qualidade plástica na arte e edifícios religiosos em Portugal, numa oposição formal aos modelos tradicionalistas então promovidos pelo Estado Novo. No centro da sua contestação estavam três novas igrejas lisboetas – Santo Condestável, S. João de Deus e S. João de Brito – que, para Nuno Teotónio Pereira, eram “erros irreparáveis (…) [que resultavam desse] convencimento de se poder ser simultaneamente do século XX e da Idade Média”1, quando a “tradição da arquitetura cristã é sim ir à frente – abrir caminho (…). Mas hoje, que a sociedade está paganizada e o cristianismo se dissociou da vida, acontece pela primeira vez na História da Igreja que a renovação artística é feita à margem dela; hoje a arquitetura religiosa vai já atrasada”2.

De modo que foi com o propósito de renovar a arte sacra em Portugal que um pequeno grupo multidisciplinar, unido por essa vontade comum, decidiu fundar o MRAR. Segundo os seus fundadores – António Freitas Leal, Pe. António dos Reis Rodrigues, Flórido de Vasconcelos, Henrique Albino, João Braula Reis, João Correia Rebelo, João de Almeida, José Maya Santos, Madalena Cabral, Maria José de Mendonça e Nuno Teotónio Pereira -, o MRAR era “uma comunidade católica de artistas e de outras pessoas interessadas, com o fim genérico de promover, em todos os domínios da arte religiosa, o encontro de uma verdadeira criação artística com as exigências do espírito cristão”3. O núcleo principal do Movimento nunca perdeu o caráter familiar ou de pequeno grupo de amigos, pelo que foi apenas pontualmente alargado a protagonistas selecionados, como José Escada, Manuel Cargaleiro, Diogo Lino Pimentel, Sebastião Formosinho Sanchez, Nuno Portas, Luiz Cunha, Maria Luísa Marinho Leite, Erich Corsépius, Pe. Albino Cleto e Vitorino Nemésio.

Apesar de serem poucos, os membros do MRAR não deixaram de sonhar com um vasto programa de intervenção: realizar atividades internas para sua valorização doutrinal e técnica, efetuar reuniões de caráter espiritual para desenvolvimento da sua vida cristã, organizar exposições, cursos e conferências, editar publicações, estampas e gravuras, dar pareceres sobre todos os assuntos relacionados com arte e arquitetura religiosa, defender a execução de obras de arte sacra por artistas competentes e promover a realização de concursos. Fazendo bom uso do pouco tempo e dos reduzidos meios que tinha disponíveis, o grupo soube reunir, sensibilizar e formar arquitetos, artistas, padres e seminaristas para a dimensão estética das obras da Igreja, juntando-os numa caminhada de estudo, discussão e formação comum que se revelou como fator essencial para a afirmação de um novo programa artístico e pastoral que levou a uma efetiva renovação dos edifícios religiosos, bem como a uma valorização das dimensões sociológica e antropológica dos espaços litúrgicos.

Com uma ação constante durante quinze anos politicamente conturbados e de forte secularização, o MRAR conseguiu mudar mentalidades e contribuir para a renovação cultural da Igreja Católica em Portugal, num processo que afirmou e consolidou a construção da arquitetura religiosa moderna, bem como deu origem a algumas das mais notáveis peças de paramentaria, ourivesaria, pintura e escultura sacra realizadas no nosso país no século XX.

Nuno Teotónio Pereira e o MRAR

Nuno Teotónio Pereira foi, juntamente com João de Almeida, peça fundamental na fundação do MRAR. Já em 1947 manifestara publicamente que era necessário renovar a arquitetura religiosa em Portugal4, posição que retomou quatro anos depois ao liderar o protesto contra a construção do projeto de Vasco Regaleira para a igreja de S. João de Brito, em Lisboa. Grande galvanizador do Movimento desde a primeira hora, foi desde sempre visto como líder do grupo, tendo sido não por acaso o primeiro de dez entrevistados pelo jornal Novidades em 1961 numa rubrica chamada Rumos da Arte Sacra5.

A ordem alfabética das assinaturas do documento de fundação do MRAR atribuiu-lhe o nº11, mas no momento da eleição da Direção Provisória, Nuno Teotónio Pereira foi naturalmente escolhido como Presidente, decisão que se repetiu a 23 de novembro de 1956 quando se realizaram as eleições para a primeira Direção do MRAR, para o biénio 1957-58. Nuno Teotónio Pereira voltou a ocupar este cargo nos anos 1961-62 e nos dois anos seguintes foi Presidente da Assembleia Geral.

Ao longo de década e meia, proferiu conferências, orientou encontros, participou em reuniões, juntou e animou sócios e não sócios em torno da causa do MRAR. No entanto, o seu vivo sentido cívico levou-o, a partir de finais da década de 1950, a juntar-se progressivamente na luta política que crescia entre o meio católico progressista. Como consequência, a sua disponibilidade para o MRAR foi decrescendo ao longo dos anos 1960, até que em 1966 revelou que não poderia colaborar ativamente com o Movimento por ter “um lugar de responsabilidade na Cooperativa Pragma, que me preenche por completo o tempo que poderei consagrar a movimentos associativos6. Na realidade, o propósito que o levara a fundar o MRAR fora já alcançado, pelo que era tempo de lutar pelas mesmas causas noutras frentes.

1 Nuno Teotónio Pereira, «Arquitectura Religiosa». O Comércio do Porto, (6.dez.1953).

2 Nuno Teotónio Pereira, Algumas observações às críticas apontadas ao projecto da nova igreja paroquial das Águas, 8.set.1951, pp.2.3.

3 Nuno Teotónio Pereira et al, MRAR – Estatutos, Lisboa, 18.dez.1954, p.1.

4 PEREIRA, N. Teotónio, A Arquitectura Cristã Contemporânea, Ala, Ano V, nº67, (31 jan.1947), pp. 2-4.

5 PEREIRA, N. Teotónio, Experiência de um arquitecto (entrevista), Novidades, (7 fev.1961), pp.1.3.

6 PEREIRA, N. Teotónio, [Resposta a inquérito do MRAR], (18 jul.1966).

João Alves da Cunha
Novembro de 2021

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