1. Contactos com o Porto e ligações ao Norte
Volto aqui depois de 33 anos, pois frequentei na EBAP o 6º ano de Arquitectura em 1946. Nessa época a EBAP constituía a Meca dos estudantes de Arquitectura de Lisboa, confrontados com o ambiente de repressão e discricionariedade que se vivia na EBAL. Foi meu companheiro nessa altura o Costa Martins e ambos vínhamos ao Porto viajando em 3ª classe nos comboios-correio nocturnos para falar com o prof. Carlos Ramos, que orientava os nossos estudos, e para entregar os trabalhos quando terminados.
Desembarcávamos gelados em S. Bento de manhã cedo e atravessávamos o belo jardim de S. Lázaro no meio da bruma a caminho da Av. Rodrigues de Freitas. De notar que um dos trabalhos desse ano lectivo foi a ampliação das instalações da Escola, projecto que veio as ser feito mais tarde e do qual resultou o anfiteatro onde nos encontramos agora.
A atenção dada aos estudantes pelos professores, especialmente por Mestre Carlos Ramos, a abertura às novas tendências da Arquitectura, e o espírito de corpo que era cultivado na EBAP contrastavam singularmente com o ambiente repressivo de Lisboa.
Fernando Távora andava alguns anos mais atrasado e fiz amizade com João Andresen, prematuramente falecido.
Voltei o ano seguinte à EBAL, onde concluí o curso em 48 e tirei o diploma em 49, com um projecto para uma estação de captação de águas, trabalho realizado no gabinete do Eng. Vasco Costa.
Foi na sequência desta passagem pelo Porto que li com atenção um artigo de Fernando Távora, alguns anos mais tarde, publicado num jornal monárquico. Tratava-se da “Casa Portuguesa”, onde eram refutadas as teses de Raul Lino e se colocava a questão da adopção de uma linguagem moderna e aberta às correntes na abordagem do tema em questão.
Com um colega de escola mais jovem, o Manuel João Leal, propus-me publicar uma colecção de pequenos textos sobre Arquitectura, para divulgar as ideias do Movimento Moderno, na sequência de uma colaboração na revista “Técnica”, da Associação dos Estudantes do IST, onde foi pela primeira vez publicada em Portugal a “Carta de Atenas”, com tradução minha e do Costa Martins (1944).
Logo nos propusemos iniciar a colecção com o artigo de Fernando Távora, com o qual tive um encontro junto à igreja do Carmo, no Porto. Nascia assim uma cumplicidade mútua que se iria manter pelos anos fora. Foi efectivamente publicado o artigo no primeiro volume da colecção.
Ao longo dos anos 50 desloquei-me com frequência ao Porto, onde fui ganhando amizades com colegas, participando em colóquios, encontros e visitas de estudo. O Porto era onde os arquitectos de Lisboa iam ver a Arquitectura Moderna, esmagados ainda com o peso do estilo estado-novista que se construía em Lisboa.
Na minha actividade de arquitecto de “Habitações Económicas-Federação das Caixas de Previdência”, que desenvolvia uma actividade descentralizada em todo o País, e onde defendi que deveriam ser feitas encomendas aos arquitectos do Norte para a respectiva região, trabalhei com Lixa Filgueiras, Alcino Soutinho, Rui Pimentel, Luís Cunha e o saudoso Arnaldo Araújo. Foi no âmbito desse trabalho que Fernando Távora fez o projecto de Ramalde, ainda dentro dos cânones de um modernismo puro e duro, e eu próprio um conjunto em Braga num compromisso com vista à integração na malha urbana.
Já no final da década de 50 houve contactos estreitos entre arquitectos de Lisboa e do Porto para a realização do Inquérito à Arquitectura Popular, impulsionado por Keil do Amaral. Neste trabalho, enquanto os arquitectos do Sul, nos quais eu me incluía como responsável pela região da Estremadura, se orientavam mais para o apuramento das tipologias habitacionais, os do Norte dedicavam sobretudo atenção às morfologias dos aglomerados rurais.
Ao longo dos anos mantive contactos com o Norte, cultivando amizades com os colegas do Porto e pessoas de outros sectores, no decurso de actividades ligados quer ao Sindicato dos Arquitectos, quer a actividades de ordem cívica ou política. E fiz até alguns projectos para a região: a subestação da EDP em Ermesinde e conjuntos habitacionais em Barcelos, Famalicão e Vila do Conde, para além do já citado de Braga.
2. Formação pessoal
O meu curso da EBAL, como os daquela época, era bastante reduzido. Tive como colegas, entre outros, Manuel Costa Martins, Vitor Palla, Manuel Tainha, Manolo Potier, Garizo do Carmo, Carlos Manuel Ramos, meu colega do Liceu Pedro Nunes, Alzina de Menezes, Manuel Coutinho Raposo, Blasco Gonçalves, Luís Nobre Guedes. Dos mestres, nomeio Cristino da Silva, ferozmente anti-modernista, mau grado ter sido entre nós um dos pioneiros (depois arrependido) desta corrente, e que dizia nessa altura que a arquitectura do nazismo seria a arquitectura do futuro. e com quem tive naturalmente dissabores; Macedo Mendes, esplêndido professor de História, mas homem de birras; Leopoldo de Almeida, professor de Desenho, que me preparara no seu atelier para o exame de aptidão à Escola, e que era querido pelos alunos, apesar do classicismo da sua obra; Piloto-tio velho, mestre de ornato, que fora o autor do Mercado da Ribeira; Piloto-sobrinho, casmurro docente de Geometria Descritiva; João Lemos, que conseguia fazer-nos gostar das Matemáticas; e, a governar a Escola como proprietário de uma quinta, o célebre Cunha bruto, com instintos de carrasco e de comissário político do regime.
O que me valeu nessa altura foi o estágio no atelier Carlos Ramos, ao lado de Carlos Manuel. Embora já passada a fase modernista do Mestre, no atelier sabia-se a fundo de construção e fazia-se um trabalho competente. Além de outras muitas coisas importantes, aprendi aí a lidar com clientes e construtores.
O nosso grupo fazia um juízo muito critico dos pioneiros dos anos 30 que tinham traído o Modernismo e que produziam uma arquitectura “português suave”. Metíamos todos no mesmo saco, desde Cristino e Rebelos de Andrade a Pardal Monteiro e Cassiano Branco.
Olhávamos com respeito para Keil do Amaral, embora entendêssemos a sua arquitectura como de compromisso, mas sobretudo admirávamos arquitectos do Porto, como Arménio Losa, Viana de Lima e Januário Godinho. Estes eram os puros que conseguiam resistir às imposições oficiais.
Entre os estrangeiros, o panorama era largamente dominado por Le Corbusier, que víamos e líamos avidamente. Tenho todas as primeiras edições dos seus livros, O livro “Brazil Builds”, editado em 1943 pelo Museu de Arte Moderna de Nova Iorque foi recebido com verdadeira euforia, pois nos dava conta do espantoso surto de arquitectura moderna surgido naquele país durante a 2ª Guerra; Oscar Niemeyer e Lúcio Costa passaram também a ser referências.
Recebemos com desagrado a grande exposição de Arquitectura Alemâ em 1941, trazida pelo próprio Albert Speer em pessoa (era o braço direito de Hitler para a Arquitectura, chegando depois a ministro do Armamento e a ser julgado em Nuremberga).
Tinha um certo pendor para as disciplinas afins com a Arquitectura. Frequentei durante um ano o primeiro curso de Arquitectura Paisagista dado em Portugal, sob a direcção do Prof. Caldeira Cabral, onde fui colega de Ribeiro Teles; deslumbrei-me com o “Portugal – o Mediterrâneo e o Atlântico” de Orlando Ribeiro; tirei duas cadeiras de História no então Instituto Superior de Ciências Económicas e Financeiras, para poder escapar a dois anos de serviço militar e frequentar no verão o curso de oficiais milicianos (a Arquitectura não dava acesso a este curso, por não ser considerada como Ensino Superior): trabalhei num gabinete de Engenharia, o do Prof. Vasco Costa, docente do IST, onde aprendi a lidar com engenheiros civis; organizei o primeiro inquérito, no âmbito da Juventude Universitária Católica, aos modos de apropriação do espaço em bairros recentes de Lisboa.
Durante esses anos percorri o País de Norte a Sul, admirando as paisagens, as cidades, vilas e aldeias, o artesanato, os costumes. Estas primeiras viagens produziram em mim uma forte impressão. Mais tarde estendi essas explorações a Espanha, procurando sentir o universo peninsular. Era a época em que Jorge Dias, Ernesto Veiga de Oliveira e Michel Giacometti, na esteira aberta por Leite de Vasconcelos e Orlando Ribeiro, faziam de forma sistemática e rigorosa o reconhecimento do nosso património.
3. O contexto profissional dos anos 40 para os 50
Na altura em que ingressei na profissão, logo após o congresso de 48, vivia-se apaixonadamente o combate pela Arquitectura Moderna. Tinha ficado para trás a visita de Albert Speer a Lisboa e a derrota do nazismo. Decorria uma febril reconstrução na Europa e havia em Portugal alguma esperança na queda do regime (MUD, Norton de Matos…).
No plano profissional, eram divulgadas as realizações do New-Deal rooseveltiano (Tenessee Vallley Authority), a carta de Atenas, o trabalho dos CIAM, e a explosão da moderna arquitectura brasileira. Pressionado pela situação, o regime fazia uma viragem política das Obras Públicas (Pacheco morrera em 43) para criação de grandes indústrias de base, propugnada por Ferreira Dias. Foram as primeiras barragens e as primeiras encomendas para a indústria, que constituíram, sobretudo pela mão de Januário Godinho e Keil do Amaral, uma ponta-de-lança na conquista de uma expressão actual na Arquitectura.
Enquanto a nível da Administração Central continuava o controlo férreo da arquitectura chamada de regime – Palácios de Justiça, CTT, Caixa Geral de Depósitos -, alguns organismos autónomos iam criando espaços de liberdade para os jovens arquitectos: Câmara de Lisboa (Areeiro e Alvalade), empresas industriais do Estado (barragens, celulose, químicas) e Caixas de Previdência, e finalmente a Igreja Católica.
Encorajadas pelo Congresso de 48, as novas gerações envolviam-se no combate pela Arquitectura Moderna: ODAM no Porto, ICAT em Lisboa, com a revista “Arquitectura”, e ainda o MRAR. Esta intervenção era extremamente politizada e ligada às correntes neo-realistas da pintura, da literatura e do cinema. Foi a época das Exposições Gerais de Artes Plásticas, onde entrava também a Arquitectura.
O número de arquitectos era restrito, de maneira que os organismos do Estado, em aumento de quadros técnicos, recrutavam os novos funcionários entre os jovens arquitectos. Deu-se assim uma infiltração no aparelho do Estado, onde aqueles tinham de enfrentar as chefias conservadoras constituídas sempre por engenheiros civis. Esta circunstância provocou o abrandamento da imposição dos cânones oficiais e até ajudou a subvertê-los.
4. Carreira profissional
Terminada em 1948 a fase académica do curso (ainda antes da apresentação da tese final), depararam-se-me duas hipóteses de trabalho como arquitecto estagiário: ou no antigo SNI, no sector turismo e instalações hoteleiras, ou na Câmara de Lisboa, no acompanhamento da construção do bairro de Alvalade, com projectos de Miguel Jacobetty e Plano de Faria da Costa. Escolhi sem hesitação esta última alternativa, visto que sentia um grande apelo pela habitação social.
Acompanhei, com Costa Martins e o Eng.º. Jovito Tainha, durante um ano a construção deste bairro, onde se utilizaram técnicas inovadoras sob a direcção do Eng.º. Guimarães Lobato. Entrei então em contacto com uma das entidades promotoras, a Federação de Caixa de Previdência, que me convidou a ingressar nos seus quadros, primeiro como efectivo e mais tarde como consultor. Esta entidade desenvolveu durante as décadas de 50 e 60 uma importante acção no campo da habitação social, atingindo o seu apogeu sob o impulso do arquitecto João Braula Reis, congregando o trabalho de uma vintena de arquitectos, fazendo projectos para todo o País.
Trabalhei na Federação até 1972, mantendo o trabalho de atelier aos fins de tarde, serões e fins-de-semana até esse ano.
Tive um primeiro atelier na Rua Rodrigo da Fonseca (onde depois foi o atelier de Almada Negreiros) em sociedade com Chorão Ramalho, Alzina de Menezes e Manuel Tainha e os engenheiros Ernesto Borges e José de Lucena. Passámos em 1957 para a Rua da Alegria nº. 15, ainda com os mesmos associados na casa. Embora esta fosse alugada em conjunto, trabalhávamos independentemente uns dos outros.
Entretanto, Nuno Portas tinha entrado como colaborador, dando um contributo decisivo para uma nova etapa. Alugámos nova casa na mesma Rua da Alegria, mas agora no nº. 25, cerca de 1963. Nela me mantenho até hoje: um 3.º andar alto de um velho prédio, mas com um panorama bonito sobre o vale da Avenida da Liberdade. Éramos então três: Bartolomeu da Costa Cabral, Nuno Portas e eu próprio. Mas ainda com alguns engenheiros civis.
Ao longo destes anos passaram pelo atelier, entre outros, António Freitas Leal, José Maia Santos, António Pinto de Freitas, Manuel Vicente, José Maria Torre do Vale, Maria da Luz Valente Pereira, Duarte Nuno Simões, Pedro Vieira de Almeida, Luís Vassalo Rosa e Luís de Almeida Moreira. Foram preciosos colaboradores, ao nível do desenho, António Forte e Celestino Manso, este como executor de maquetas.
Em 1972, com o avolumar de encomendas resultante do surto desenvolvimentista do marcelismo, alargámos a sociedade a Duarte Cabral de Melo, António Reis Cabrita, João Paciência, Gonçalo Byrne e Pedro Botelho. Alugámos mais amplas instalações, sempre albergando engenheiros, na Rua da Beneficência, ao Rego. Desfeita a sociedade após o 25 de Abril, com a crise do mercado e a entrada de Nuno Portas para o Governo Provisório, regressei à Rua da Alegria onde permanecera Costa Cabral, vindo a formar então uma dupla com Pedro Botelho.
Havia sempre estudantes no atelier, sendo os da última fase escolhidos por Nuno Portas, que fez uma breve passagem como docente na Escola de Lisboa.
Com a minha ligação militante à igreja e a actividade nas Caixas de Previdência, foi destes sectores que vieram grande parte das encomendas: complexos paroquiais e conjuntos de habitação social (económica, como se dizia na altura). Também fizemos algumas moradias, edifícios industriais e prédios em Lisboa. Mas estes últimos não provieram do sistema tradicional dos construtores, de quem nunca tivemos uma única encomenda, pois eram edifícios não para venda, mas que consistiam em investimento dos proprietários (Águas Livres e Franjinhas). Também nunca tivemos encomendas do Estado, com excepção de uma pousada para Vilar Formoso, que não chegou a ser construída; apenas alguns planos de urbanização para câmaras municipais. Nem também de empreendimentos turísticos: os investimentos de base mais lucrativa não queriam ter nada connosco.
O trabalho com Bartolomeu Costa Cabral, logo nos primeiros anos 50, no projecto das Águas Livres, foi muito importante. Não só se tratava de um elemento mais jovem, como lidava com uma sensibilidade apurada e uma recusa a qualquer cliché. Esporadicamente houve outras colaborações ente nós, nomeadamente nas Caixas de Previdência, no conjunto habitacional para a Associação dos Inquilinos Lisbonenses e nos Olivais Sul.
Mas foi a entrada de Nuno Portas, em 1956, que marcou decisivamente o atelier. Dotado de uma grande capacidade de trabalho, de uma informação de ponta sempre actualizada e de uma facilidade de concepção e criação muito ricas, foi um esteio fundamental para todo o trabalho posterior. Estabeleceu-se entre nós uma cumplicidade permanente, talvez fruto de uma certa complementaridade de formações e de temperamento.
5. Entrosamento com a sociedade
Fui sempre um sócio activo do Sindicato, e depois do 25 de Abril da Associação. Em 1948 participei em dois acontecimentos históricos: o 1.º Congresso Nacional dos Arquitectos e o Congresso de Fundação da União Internacional dos Arquitectos, em Lausana. Fiz parte das equipas que realizaram o inquérito à Arquitectura Regional, sob a direcção de Keil do Amaral, como responsável da região da Estremadura, no final dos anos 50. Em 1962 fui a Cuba, a um congresso da UIA. E fui o delegado português no sector do Habitat desta organização durante uma série de anos, com reuniões em Belgrado, México, Havana, Helsínquia, Bucareste e Madrid. Em 1969 participei no Encontro Nacional dos Arquictetos, em Lisboa, de onde saiu o GRIMU (Grupo de Intervenção no Meio Urbano), uma das raízes do SAAL.
No campo cultural, são relevantes os relacionamentos com os sectores sociais. Em primeiro lugar vem o MRAR (Movimento de Renovação da Arte Religiosa), que travou a batalha pela aceitação pela Igreja da Arte Moderna. O núcleo principal era constituído ainda pelos arquitectos Freitas Leal, Maia Santos, João de Almeida e Diogo Lino Pimentel; pelos pintores José Escada, Madalena Cabral, Manuel Cargaleiro e António Lino; e pelo historiador Flórido de Vasconcelos. Na altura era considerável a construção de igrejas, cujos projectos eram encomendados a arquitectos e artistas que produziam de acordo com os cânones oficiais do Estado Novo. Conseguiu-se, após alguns anos, que fosse organizado um concurso público para a igreja do Coração de Jesus e que fosse feita pelo Patriarcado a primeira encomenda a um arquitecto das novas gerações: Formosinho Sanches, que projectou a Casa de Retiros da Buraca.
No final dos anos 50 entro em contacto com a Associação dos Inquilinos Lisbonenses, dirigida então pelo velho líder anarco-sindicalista Emídio Santana, que estivera preso durante longos anos por ter organizado um atentado contra Salazar. Era uma sociedade cooperativa, e por essa razão entrei em contacto com o Movimento Cooperativista. Fizemos uma grande exposição no salão da Sociedade Nacional de Belas-Artes sobre “O Cooperativismo Habitacional no Mundo”, com muita documentação vinda de outros países. Da exposição constava um módulo de habitação em galeria, equipada e mobilada à escala natural, que os visitantes percorriam, preenchendo no final um inquérito para recolher opiniões. Esse módulo, que foi construído graciosamente por Amadeu Gaudêncio, fazia parte de um conjunto habitacional para a AIL, em cujo projecto entrou B. Costa Cabral, e que não chegou a concretizar-se porque a Câmara não cedeu o terreno que lhe fora pedido.
Nos anos 60 fiz parte como responsável da cooperativa cultural PRAGMA, uma iniciativa inédita que escapava ao controlo do Governo, e que desenvolveu múltiplas actividades nos campos cultural e social, e até encobertamente no político. Esta cooperativa foi fechada em 1967 pela Pide e os seus dirigentes presos.
Desenvolvi ainda actividade no Centro Nacional de Cultura, ao tempo um centro de resistência e contestação antifascista, sendo membro da secção portuguesa da Associação para a Liberdade da Cultura.
No campo propriamente político, ajudei a fundar em 1969 a Comissão Nacional de Socorro aos Presos Políticos, organização supra-partidária, que se aproveitou legalmente de um artigo do Código Civil que previa a constituição de associações adhoc para calamidades públicas, e que subsistiu até ao 25 de Abril. Desenvolvi intensa actividade no meio dos então chamados católicos progressistas, tendo sido preso por quatro vezes, situação em que me encontrava quando da queda do regime. A partir dessa altura fui dirigente do Movimento de Esquerda Socialista até à autodissoluçao deste partido.
Participei no processo SAAl dando assessoria à Direcção Central e ainda integrado numa brigada de apoio na margem sul, num projecto com Pedro Botelho que não chegou a ser concretizado.
Recentemente, e aproveitando uma certa rarefacção das encomendas, iniciei um levantamento, com fotografias de Irene Buarque, das formas de habitação plurifamiliar em Lisboa, com um subsídio da Fundação Calouste Gulbenkian. Trata-se de uma parcela dominante do nosso património arquitectónico que nunca foi objecto de um estudo sistemático, apesar de constituir a maior parte do tecido edificado da cidade.
Intervenção num Seminário no auditório da Escola Superior de Belas-Artes do Porto, 27 de junho de 1979. Publicado em Escritos: 1947-1996: selecção. Prefácio de Helena Roseta. Porto: FAUP Publicações, 1996, pp. 150-161.