Foram quatro décadas de uma vida intensa. Aos 19 anos a Natália registou: “(…) Cada pessoa traz em si uma vida, e cada vida contém uma dose determinada de Aventura. Que a minha seja bem uma Aventura. Luto por isso. E mais, que essa aventura me ensine. Me ensine a amar. (…) Ser Poeta é bom, porque traz em si sentimento e dor, vida e morte; traz em si uma mensagem. (…)”
Foi poeta, publicou em vida Mão Aberta (1963) e preparou o livro O Nó ao Centro, que só foi editado em 2011 no âmbito de uma coletânea mais vasta, sob o título Obra poética (edições Afrontamento). Escreveu, para a coleção “Nosso Mundo”, Em Verdade Vos digo…, uma proposta de espiritualidade juvenil, e um capítulo sobre Carlos Seixas, músico português do século XVIII, para o volume Infâncias de Homens Célebres. Esta coleção de livros – literatura de qualidade dirigida aos jovens – foi uma sua aventura com Madalena Ferin e Sophia de Melo Breyner Andresen, na qual saíram, entre 1963 e 1969, 17 títulos, sob a responsabilidade da Livraria Sampedro Editora. Deixou vários contos, na maioria inéditos, tendo dois deles sido publicados na revista de cultura libertária A Ideia (2017).
Sempre sensível ao que se passava à sua volta – “Sinto amor / E num instante breve me dou / Sinto raiva / E cerro os lábios a pedir justiça” (1949) – a conversão ao catolicismo (1956) aumentou a sua exigência de responsabilização perante o sofrimento dos outros. Foi-se assim envolvendo na luta contra a ditadura, e contra o conluio da Igreja católica portuguesa com a ditadura, acompanhando, com o Nuno, vários grupos dos chamados “católicos progressistas” em inúmeras iniciativas, assumindo progressivamente um papel mais visível. Foi a autora de uma carta enviada pelo casal a amigos (1968), que despoletou a criação, no ano seguinte, da Comissão Nacional de Socorro aos Presos Políticos (CNSPP). Deu a cara no processo dos Cadernos GEDOC (Grupo de Estudos e Intercâmbio de Documentos, Informações, Experiências), o que lhe valeu um interrogatório da polícia política em casa (1971). Em carta de maio desse ano, refere Frei Bento Domingues: “Recordas-te, Nuno? Tu e eu a verificar situações presentes e a lamentar; a Natália resmunga, levanta-se, protesta contra a nossa atitude, passa a interpelar-me duramente, projeta algo de novo, indica o sentido de reunir cristãos dispersos para a celebração da Eucaristia, e oferece-se imediatamente para a montagem desse serviço logo que saia da clínica”. Assim nasceram os “Terceiros Sábados”, nos quais já não participou.
Foi mãe da Luísa, do Miguel e da Helena. Depois do segundo parto, foi-lhe diagnosticada uma insuficiência mitral, que desaconselhava uma nova gravidez. Em 1964 esteve hospitalizada em Paris, na esperança de poder ser operada, mas na altura isso ainda não era possível, e regressou com recomendações de mais tranquilidade e repouso. Quando aos 40 anos engravidou uma quarta vez, era tão arriscado, do ponto de vista médico, interromper como deixar prosseguir a gestação. “Estamos todos contentes, embora vá ser difícil em certos momentos”, escreveu a um amigo em outubro de 1970. Foi internada, para preparar um parto controlado, a 13 de abril de 1971. No dia 22 sofreu um edema pulmonar agudo que ocasionou a morte da filha Catarina, e no dia seguinte teve um novo edema pulmonar, morrendo durante o parto.
Dois anos depois saiu a público o livro Cada pessoa traz em si uma vida: escritos e poemas de Maria Natália Duarte Silva Teotónio Pereira e de alguns amigos sobre a sua vida e a sua morte, organizado pelo Nuno (Edições Afrontamento).
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