Uma homenagem ao Pai viajante, do qual não herdei tanto essa costela, mas mais uma outra, associada: a de querer sempre saber o que se passa no mundo.
Lembro-me do placard grande que havia na parede da sala, no qual se iam colocando documentos relacionados com a época do ano ou com acontecimentos que todos conhecíamos. Ficou na minha memória uma sessão em que recortámos as ilhas dos Açores que o Pai tinha desenhado em cartolina amarela, no regresso de uma viagem com a Mãe ao arquipélago, que era também a terra da Avó Alice. Foram as ilhas dispostas no placard como num mapa, com postais ilustrados a condizer junto de cada uma, e falámos das visitas e das descobertas que ambos tinham feito.
Especial foi a viagem que fiz com o Pai e a Mãe à costa atlântica espanhola, no fim do meu ciclo preparatório no liceu (hoje 6º ano). Havia um plano, mas a atenção às oportunidades imprevistas comandava. Almoçávamos ao ar livre, em qualquer sítio aprazível, muitas vezes pão com chocolate, que em Espanha era barato, e eu apreciava particularmente, e jantávamos clandestinamente no quarto dos “paradores” onde ficávamos, com a ajuda de um pequeno fogão de campismo, a gás. Todo o percurso acompanhado por um mapa, que nos guiava, mas onde também registávamos onde comíamos e onde pernoitávamos.
O Pai adorava falar castelhano e daí me ficou o encanto por esta língua. Metia conversa com as pessoas, fazia perguntas sobre o que via, interessava-o compreender os modos de fazer as coisas. Convenceu-me a provar sidra, que não consegui beber, mas o gosto por experimentar o que os sítios por onde passávamos nos ofereciam de especial, permaneceu.
Foi uma avalancha de novidades e deslumbramentos. As casas de La Coruña, a terra de Santillana del Mar, as grutas de Altamira, que visitámos. A História recente do país, que o Pai ia recordando, a propósito de lugares e situações. A guerra civil, que me ficou gravada. A poesia de Rosalía de Castro, e a figura de Castelao, cujos desenhos só conheci mais tarde, e me impressionaram vivamente. Um contraste entre uma natureza e povoações magníficas, e uma vida social e política acabrunhante.
Luísa