Vítor Wengorovius escreveu a Mário Brochado Coelho, do Porto, a 7 de abril de 1964: “Entretanto, tenho uma notícia positiva a dar-te, noutra matéria. Lembras-te de termos falado sobre a necessidade de congregar a malta de efectivo espírito cristão, das últimas gerações, numa organização de princípios cristãos e de intuito prático, à luz do evangelho (para sintetizar e exemplificar), mas não–confessional (no sentido de não comprometer a igreja). Em Lisboa, a dispersão das pessoas e grupos nestas circunstâncias exigia-o especialmente. Tenho a alegria de dizer hoje que essa organização sempre se conseguiu, estando já legalizada, com sede, e com corpos gerentes eleitos. Tem estatutariamente objectivos de acção cultural e social e de ordem económica. Visa-se também criar um ambiente de convívio e compreensão entre pessoas vindas de diferentes meios, cursos, profissões. Pode criar filiais noutras cidades. Enfim, um bom passo em frente, embora não se devam esperar “mundos e fundos” e, sobretudo, resultados importantes e visíveis imediatos. Mas é um autêntico desafio começar, segundo creio, e que envolve valores fundamentais entre os vinte e os trinta e cinco anos, cuja influência moral estava apenas ao nível das atitudes individuais ou de pequenos grupos, bem como reúne entusiasmos de muitas pessoas despertas e úteis que andavam a desperdiçar-se por isolados. Deus nos encoraje… e as pessoas correspondam. Mas estou certo da primeira e bastante confiado na segunda…”. (Cópia de carta manuscrita, Lisboa: 1964).
Trinta e quatro anos mais tarde, o Nuno recordou: “A Igreja Católica, como se sabe, apoiou sempre o regime salazarista; mas acontece que, a certa altura, foi eleito um Papa, o João XXIII, com idade já bastante avançada, e por isso durou poucos anos, mas que rasgou novos horizontes. Por exemplo, publicou uma encíclica, à luz da Paz, em que defendia o direito à independência dos povos colonizados e punha os católicos perante a obrigação de lutarem pela melhoria das condições sociais em todo o mundo. No 1º aniversário dessa encíclica, um grupo de católicos portugueses resolveu juntar-se para fundar uma associação que pudesse divulgar esses ideais (…). Essa cooperativa destinava-se a rasgar horizontes, estabelecer canais de comunicação entre várias classes sociais, entre vários sectores de pensamento que se manifestavam em Portugal; pôr em diálogo católicos com não católicos, católicos com marxistas, classes sociais diferentes, podendo discutir abertamente os problemas e podendo fazê-lo em público (…). [a] cooperativa Pragma desenvolveu uma actividade interessante durante alguns anos, e perante esse sucesso até se criaram outras cooperativas culturais. Criou-se no Porto a Confronto, também com o mesmo tipo de actividade; depois, o Partido Comunista criou a cooperativa Devir em Lisboa, e mais tarde até o Partido Socialista, que ainda não existia, mas a Acção Socialista, criou outra cooperativa em Lisboa no domínio cultural, a Cooperativa de Estudos e Documentação.” (PEREIRA, Nuno Teotónio. “Entrevista com Nuno Teotónio Pereira” para livro a editar pela Câmara Municipal de Lisboa nos 25 anos do 25 de abril, 1998).
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