Atividade política

Os dez melhores e os dez piores resultados do 25 de Abril (1994)

Fotografia inserida no livro “Portugal: um guia para o processo” (1976)

PEREIRA, Nuno Teotónio. “Personalidades escolhem o melhor e o pior: o ímpeto popular”. Público, 24 abr. 1994. Original impresso, 5 Abr. 1994, 3 p.
Inquérito sobre o 25 de Abril: os dez melhores e os dez piores resultados

 

Os dez melhores resultados de Abril

1. O facto de ter sido ultrapassado o pronunciamento militar por um impetuoso movimento popular, dando um cunho revolucionário ao 25 de Abril. Expoente emblemático deste acontecimento foram as manifestações do 1º de Maio de 1974, realizadas de norte a sul do País, exprimindo a alegria colectiva do encontro com a liberdade conquistada.

2. O surgimento de uma nova mentalidade, livre de constrangimentos políticos, consagrados que foram os direitos de expressão, reunião e associação, e que se repercutiu em todas as esferas da sociedade portuguesa.

3. A institucionalização do poder local democrático, na tradição do nosso municipalismo e na aproximação entre os cidadãos e o governo, a qual tem dado sobejas provas das suas vantagens nestas duas décadas.

4. O processo SAAL, instituído pelo Secretário de Estado Nuno Portas como resposta ao movimento espontâneo das populações organizadas dos bairros degradados, e que foi prematuramente extinto logo em 1976, quando os esforços conjugados das comissões de moradores e das equipas técnicas começavam a dar os seus frutos.

5. A independência do Ministério Público e dos Tribunais face ao poder político, tornando possível que ex-membros do governo e outras individualidades sejam sejeitas a julgamento por crimes de corrupção e abuso do poder.

6. A adesão à Comunidade Europeia, quebrando o isolamento tradicional do País e integrando Portugal num poderoso grupo de nações com uma herança histórica e cultural comum, apesar dos impactos negativos que está a ter a diversos níveis, dos quais não nos livraríamos mesmo sem adesão.

7. O aumento da escolaridade em todos os graus de ensino, que no entanto não tem sido correspondido ao nível qualitativo, mas que apesar de tudo constitui um passo no sentido da democratização da sociedade e na igualdade de oportunidades.

8. A tomada de consciência acerca das questões do Património e do Ambiente que se tem verificado ao nível da sociedade, o que tem constituído um instrumento de pressão sobre o Poder no sentido de serem tomadas medidades adequadas de protecção.

9. O esforço para dotar o País de instrumentos de planeamento, nomeadamente planos regionais e planos directores municipais, com a finalidade de pôr termo ao casuísmo e à discricionariedade no capítulo do urbanismo.

10. O fortalecimento da rede urbana, com o crescimento de muitas das cidades secundárias, constituindo estas uma alternativa ao êxodo dos campos para as grandes metrópoles.


Os dez piores resultados de Abril

1. A descolonização, que foi um verdadeiro desastre nacional, efectuada precipitadamente em virtude da política suicida do regime anterior, cujas consequências nefastas os governos provisórios não puderam evitar. Das consequências dessa precipitação sofrem os novos países independentes e muito em especial o povo de Timor, abandonado à agressão indonésia.

2. A contra-reforma agrária, com a restauração dos latifúndios e do absentismo, perdendo-se assim uma oportunidade histórica de transformar a estrutura fundiária do sul do País, que a Reforma Agrária tinha deixado intocada.

3. A vaga de atentados reaccionários no norte em 1975, sob a égide da rede bombista e do MDLP, manifestação de intolerância em relação às forças de Esquerda, e que chegram ao extremo de assassinatos como o do Padre Max, ainda hoje sem castigo.

4. A partidarização excessiva da vida política e das instituições, dando lugar a fenómenos de sectarismo, favorecendo o clientelismo e o oportunismo e retirando representatividade à própria Assembleia da República.

5. O surgimento de uma mentalidade de novo-riquismo, de mãos dadas com o culto do sucesso individual, tendendo a propagar a indiferença perante a crescente desigualdade dos rendimentos e o alastramento do desemprego e das manchas de pobreza, minando assim os sentimentos de solidariedade.

6. A excessiva preponderância do capital financeiro na vida económica, subalternizando os sectores ligados à produção agrícola e industrial, e desarmando estes perante as consequências da integração europeia e da abertura dos mercados.

7. A ausência de uma política de habitação e de solos, agravada pela recusa do governo em dialogar com os próprios agentes do sector, com o que têm persistido as extremas carências sentidas neste domínio desde há décadas.

8. O sucessivo protelamento do processo de regionalização, de base democrática, substituída aquela pela desconcentração de serviços da Administração central que mais não fazem do que acentuar a dependência em relação ao Terreiro do Paço.

9. O restauracionismo que tem dominado a vida política, que faz com que a situação se assemelhe cada vez mais a um marcelismo democrático e sem o fardo da guerra colonial, acentuada com a chegada ao Poder de uma classe política que nada tem a ver com o 25 de Abril e a luta contra a ditadura.

10. A inoperância do aparelho fiscal, que faz com que o enriquecimento demonstrado por sinais exteriores seja insuficientemente tributado, recaindo a maior parte dos impostos sobre os trabalhadores por conta de outrem.