Direito ao Lugar | Nuno Teotónio Pereira
O direito à habitação foi o tema escolhido para aprofundamento, ao longo de 2022, neste espaço virtual dedicado ao legado de Nuno Teotónio Pereira.
Ter garantido o direito à habitação compreende, como consta do artigo 14.º da Lei de Bases da Habitação “a existência de um habitat que assegure condições de salubridade, segurança, qualidade ambiental e integração social, permitindo a fruição plena da unidade habitacional e dos espaços e equipamentos de utilização coletiva e contribuindo para a qualidade de vida e bem-estar dos indivíduos e para a constituição de laços de vizinhança e comunidade, bem como para a defesa e valorização do território e da paisagem, a proteção dos recursos naturais e a salvaguarda dos valores culturais e ambientais”. Esta visão materializada na Lei de Bases da Habitação sintoniza-se com o posicionamento de 42 organizações da sociedade civil do Centro do país e da Grande Lisboa, envolvidas na coconstrução da Carta Aberta pelo Direito ao Lugar.
Nesse documento de posicionamento coletivo, as organizações propõem um vasto conjunto de medidas a diferentes instâncias de poder político (ao nível local e central e europeu) e aos media, que consideram capazes de contribuir para proteger o direito ao lugar. São medidas que abrangem diversas áreas (habitação, mobilidade, espaços públicos, serviços de interesse geral, emprego, participação cidadã) e criam condições para que as pessoas possam “viver no lugar” – encontrando aí habitação condigna, emprego ou outra forma de rendimento e tendo acesso a serviços de interesse geral – e possam também “viver o lugar”, movendo-se com facilidade e segurança, usufruindo dos espaços públicos e de participando nas decisões que dizem respeito a esse lugar.
Esta carta aberta parte da problematização da perda acentuada da população residente em zonas rurais e nos centros das grandes cidades, levantando questionamentos sobre as razões que forçam as pessoas a prescindir de viver em lugares com que se identificam, a que se sentem ligadas e a que sentem que pertencem.
Os preços incomportáveis da habitação, associados ao aumento da pressão turística e à sobrevalorização do mercado imobiliário no centro das grandes cidades são centrais na compreensão da privação do direito ao lugar nestes territórios urbanos e comprometem significativamente “o direito dos cidadãos à escolha do lugar de residência, de acordo com as suas necessidades, possibilidades e preferências, sem prejuízo dos condicionamentos urbanísticos” (Artigo 11.º da Lei de Bases da Habitação).
A Carta Aberta pelo Direito ao Lugar, subscrita por cerca de 1000 pessoas individuais e coletivas, e que pode ainda ser subscrita AQUI, foi ponto de partida para diversos debates e para múltiplos diálogos da sociedade civil com os media, academia e atores políticos. As dinâmicas que conduziram à carta aberta e as subsequentes estão descritas na publicação “Sociedade civil mobilizada pelo Direito ao Lugar: um processo de influência política em 5 etapas”, na qual se partilham aprendizagens extraídas a partir da prática e que reforçam a importância da participação da sociedade civil.
O processo colaborativo de influência política que mobilizou a sociedade civil em torno da reivindicação do direito ao lugar, entre 2019 e 2021 deixa-nos reflexões sobre o que é “viver o lugar” e sobre o papel da sociedade civil na transformação das políticas públicas rumo ao bem viver. Cremos que evocar este processo constitui uma forma significativa de relembrar o percurso e o legado de Nuno Teotónio Pereira, para quem a habitação, mas também a participação cidadã e as desigualdades sociais foram sempre causas mobilizadoras
* Este processo coletivo desenvolveu-se no quadro do projeto “LigAções|organizações da sociedade civil em reflexão e ação sobre as assimetrias do território”, copromovido pelo Graal e pela FGS e cofinanciado pelo Programa Cidadãos Ativos, do mecanismo financeiro EEA Grants, gerido pela Fundação Calouste Gulbenkian e Fundação Bissaya Barreto. Podem encontrar-se mais informações sobre o projeto na página WEB disponível AQUI.