Texto apresentado e publicado, em inglês, no contexto da 16ª Conferência Internacional da DOCOMOMO, Tóquio, Japão.
Maria Tavares
CITAD / Universidade Lusíada
(http://repositorio.ulusiada.pt/handle/11067/5995?mode=full)
Abstract. Em Setembro e Outubro de 1958, Nuno Teotónio Pereira e Nuno Portas partiram pela Europa com o objectivo de tomar contacto com diferentes experiências no domínio da habitação. Espanha e Itália foram palco de curtas visitas, procurando o entendimento de uma estrutura social e económica em rescaldo de pós-guerra e das respostas que as entidades responsáveis pelo sector da habitação apresentavam.
Numa década de procura de novos rumos por parte de autores empenhados em participar num processo de transformação social, os dois arquitetos portugueses, confrontados com o deficit habitacional que se fazia sentir em Portugal, trouxeram desta sua jornada um conjunto de referências modernas que inevitavelmente se transformaram numa espécie de argumento a pôr em prática, embora com uma também inevitável (re)visão crítica.
Em Portugal, as HE, Habitações Económicas – Federação de Caixas de Previdência, aplicavam desde 1947 capitais da Previdência na construção de “Casas de Renda Económica”. Em Itália, o plano INA-Casa, iniciado em 1949, tinha como principal objectivo combater o desemprego através da construção civil.
Interessa-nos não só a versão mais operativa dos casos, mas igualmente entender como as HE, através dos ensinamentos dos dois arquitetos, vão aplicar metodologicamente os princípios do organismo congénere, principalmente pelo idêntico impulso de uma nova geração, motivada por ensaiar uma arquitetura renovada, próxima e compreensível pelas classes populares.
1. Introdução
Nalgumas ruas das Avenidas novas têm-se construído e estão ainda em construção, grandes prédios de rendimento subordinados no seu aspecto exterior às proporções da arquitectura clássica. São casas com a pretensão, pelo menos, de bem construídas, e oferecendo na verdade comodidades modernas. Bem arejadas e ensolaradas, aquecimento para o inverno, ascensor, escada de serviço, alojamento sensivelmente independente para a criadagem, podemos bem chamar-lhes prédios de luxo. A renda, porém, (…), que ultrapassa de tal modo as possibilidades de cada um de nós, tem dado lugar às mais vivas discussões e mais ásperos protestos.[1]
Em 1945, num texto publicado na revista A Arquitectura Portuguesa, o autor não hesitou em demonstrar total desânimo com a construção que particulares praticavam em Lisboa. Intitulou o pequeno texto de Um Problema, demonstrando um total desassossego face à necessidade de mudança na forma como se lidava com o problema habitacional. Neste curto episódio, ficou valorizada a casa utilitária, aquela que, não sendo luxuosa, era auxiliada pelo Estado e surgia como resposta ao problema exposto.
Três meses antes da publicação deste pequeno texto tinha sido aprovada pela Assembleia Nacional a lei das “Casas de Renda Económica”. Prédios em regime de arrendamento com 4 pisos surgiam como alternativa ao programa inicial do Estado Novo com as suas moradias económicas, alegres e sadias. No entanto, a iniciativa privada não manifestou particular entusiasmo na resposta ao apelo para cooperar nesta modalidade de construção.
E foi assim que em 1946 se assistiu a uma nova manifestação por parte do Estado na procura de soluções que possibilitassem alternativas ao fomento da habitação em Portugal. Em contexto de pós-guerra e face às evidentes necessidades de uma revisão das condições propostas um ano antes pela Lei[2] que possibilitou o surgimento das “Casas de Renda Económica”, foi promulgado um Decreto-lei[3] que partiu de um posicionamento estratégico sobre o possível alcance dos capitais da Previdência na resolução do problema da habitação. A nova legislação permitia a federações de instituições de previdência a realização de obras sociais, nomeadamente a construção de “Casas de Renda Económica”.
Surgiram, assim, em junho do mesmo ano de 1946, as HE, Habitações Económicas – Federação de Caixas de Previdência com o objetivo de contribuir para o fomento da habitação económica através da aplicação dos capitais das instituições da previdência, na construção, maioritariamente, de “Casas de Renda Económica”.
O seu campo de ação foi muito vasto. No plano territorial estenderam-se por todo o território metropolitano. No plano operacional dirigiram praticamente todas as fases de construção: do planeamento à total e completa execução, incluindo o financiamento. E, no plano social, abrangeram grande parte da população portuguesa através dos beneficiários das caixas federadas e dos sócios efetivos das Casas do Povo.
Este processo, gradual no tempo, teve numa primeira fase o financiamento como principal objetivo, dada a prontidão dos meios. Mas em poucos anos, a ambição do projeto e do controlo de todas as fases da obra, proporcionaram às HE uma posição de destaque na construção e promoção de habitação de âmbito económico em Portugal. Pela mão do então jovem arquiteto Nuno Teotónio Pereira, que desde cedo abraçou a causa da habitação para o maior número, as HE ganharam um novo impulso. Como único arquiteto durante 10 anos[4], desenvolveu uma importante ação dentro do organismo, constituindo uma imagem que, fugindo manifestamente aos cânones oficiais e aos seus projetos tipificados, tentou desenhar desde o início as premissas de um compromisso social, na procura de uma relação com o contexto, com as raízes e com os utentes[5]. A concentração de esforços no sentido da cooperação na resolução do problema da habitação em Portugal, parecia começar a ter uma linha condutora.
2. Uma oportunidade garantida
Numa informação datada de Dezembro de 1958 e dirigida aos Serviços Técnicos das HE, Nuno Teotónio Pereira manifestou interesse em apresentar o relatório de uma visita recentemente realizada a experiências habitacionais fora do contexto nacional. Foi redigida a seguinte informação:
Nos meses de Setembro e Outubro do ano corrente tive ocasião, no decurso de rápidas visitas a Espanha e Itália, de tomar contacto com algumas realizações desses países no domínio da habitação.
Como muitas dessas realizações me parecem de interesse para nós, elaborei um pequeno relatório, de que junto 3 exemplares. Esse relatório foi feito com um duplo objectivo: transmitir à Federação [HE] o que me pareceu de maior interesse e chamar a atenção para a conveniência de se estudarem com certa profundidade as realizações desses 2 países, de grandes afinidades geográficas, culturais e sociais com o nosso.[6]
A visita, realizada entre Setembro e Outubro de 1958, contou com a relevante presença de Nuno Portas que, acabado de chegar ao atelier de Nuno Teotónio e profundo conhecedor da realidade exterior, procurou incentivar a realização da viagem. Jovem arquiteto, inquieto e intelectualmente curioso, confrontou-se, desde cedo, com a habitação coletiva de baixo custo num percurso de compromisso com a população e com quem o acolheu na vida profissional[7]. Participação era a palavra de ordem e a habitação popular o grande objeto de investigação[8].
Com esta viagem poderia, assim, conhecer em primeira mão as experiências que analisava criteriosamente através de revistas internacionais, ao mesmo tempo que compilava informação e estabelecia contactos relevantes para expor na portuguesa revista Arquitectura que, entretanto, tinha encontrado novo rumo.
A partir das revistas que chegavam às mãos dos arquitetos portugueses, Nuno Portas produziu um completo itinerário, constituído por pequenas fichas individuais de projeto, com a descrição dos bairros e das experiências a visitar, resultando num cuidadoso processo de procura de propostas inovadoras. Aproveitou a ampla recolha esquemática que estava a realizar sobre habitação nos mais diferentes países e que um ano depois entregou como complemento à sua prova CODA[9], denominada “Habitação Social: proposta para a metodologia da sua arquitectura”.
Os dois arquitetos partiram pela Europa com o objetivo de tomar contacto com diferentes experiências no domínio da habitação programada, aproximando-se de novas arquiteturas. Espanha e Itália foram palco de curtas visitas, procurando o entendimento de uma estrutura social e económica em rescaldo de pós-guerra e das respostas que as entidades responsáveis pelo sector da habitação apresentavam.
Enquanto Espanha foi atravessada rapidamente[10], sendo alvo de viagens futuras, o grande objectivo foi o reconhecimento do retrato social e projetual italiano promovido pelas experiências da INA-Casa, entidade congénere das HE, e que se constituía igualmente como um território privilegiado de experimentação projetual, muito centrado na célula, nos sistemas de acesso e na consolidação do conjunto urbano.
A visita a Itália durou 10 dias privilegiando-se toda a região correspondente ao norte do país. Curiosamente e aproveitando a viagem, Nuno Portas estabeleceu contacto com Carlo Scarpa via postal que, em Veneza, lhes dedicou dois dias inteiros. Apresentou-lhes, entre outras obras, a grande novidade ainda em construção: a loja Olivetti na Praça de S. Marcos. O projeto confirmava a possibilidade de ultrapassar uma espécie de estereótipo que em Portugal já não fazia sentido, face a novas coordenadas que os jovens arquitetos ambicionavam: a revisão de uma modernidade em profunda relação com o trabalho e a cultura do detalhe artesanal.
Retomando a viagem, o percurso procurou responder ao itinerário pré-definido nas dedicadas fichas de Nuno Portas. Foram alvo de visita as cidades de Génova, Alessandria, Piacenza, Parma, Reggio Emília, Bolonha, Florença, Forli, Cesana, Rimini, Ravena, Mestre e Veneza e, já no regresso, Milão e Turim.
Mas qual o grande interesse por este organismo e pela arquitetura produzida que se afirmou em todo o território italiano?
Para Nuno Teotónio, enquanto técnico com um peso relevante no organismo congénere português, o interesse era entender as analogias entre as duas estruturas, tanto pela resposta ao avolumado deficit habitacional que se fazia sentir nos dois países como pela necessidade de pôr em prática um novo vocabulário que se anunciava nesta arquitetura da habitação programada.
3. INA-Casa
A INA-Casa, Instituto Nazionale de Assicurazione-casa, instituída em fevereiro de 1949, foi um organismo criado para dar execução a um plano para o incremento da ocupação operária, desenvolveu-se por dois períodos de 7 anos cada e com um triplo objetivo: estimular a economia do país através do investimento de capitais na industria da construção; combater a elevada taxa de desemprego através da construção civil, utilizando mão de obra, materiais e tecnologias locais; reduzir o deficit habitacional.
O Plano, conhecido por Fanfani, homenageando o ministro do trabalho que o idealizou, Amintori Fanfani, foi um instrumento legislativo que previa a construção de casas para as classes trabalhadoras – operários e funcionários -, dependendo diretamente do Ministério do Trabalho e da Previdência Social.[11] Foi objetivo criar uma estrutura autónoma, longe de grandes concentrações burocráticas, resultando numa estrutura muito pequena e fortemente centralizada. Serviu-se de organismos regionais já existentes, abrangendo assim todo o território nacional e contribuindo para a eficácia e rapidez de execução.
Dado o carácter temporário do Plano, a INA-Casa não tinha nos seus objetivos atividades ou operações de construção, salvo em situações de exceção. Os trabalhos estavam confinados aos serviços públicos possuidores do equipamento e da experiência necessária no domínio da construção, incluindo privados e cooperativas de habitação que pretendiam construir para os seus membros.
Do ponto de vista do projeto, a INA-Casa recorreu aos profissionais liberais através de concurso, sendo a grande oportunidade para uma nova geração pôr em prática e em larga escala uma «linguagem de renovada comunicação com as classes populares»[12].
Constatou-se que mais de um terço dos arquitetos italianos estiveram ativamente envolvidos neste programa habitacional que, com a coordenação de um gabinete de arquitetura centralizado, examinavam os terrenos, controlavam os projetos e os estaleiros em obra. Com o cuidado de inserção das novas propostas nos tecidos históricos, dedicavam-se «à manutenção da especificidade cultural das comunidades a realojar, e à própria identidade cultural da imagem arquitectónica»[13].
Verificou-se uma resposta negativa à hipótese de projetos tipo, mesmo com as vantagens da introdução de elementos construtivos unificados, a favor da formação de uma espécie de álbum de projetistas[14].
Em 14 anos de programa, foram construídos mais de 300.000 fogos, distribuídos por centenas de intervenções urbanas. Funcionou como um laboratório de experiências, procurando-se uma aproximação ao imaginário popular «num léxico construtivo e linguístico simplificado, capaz de representar as novas comunidades urbanas e indicar um possível ponto de contacto entre modernidade e contexto»[15]. Os sistemas de acesso, por vezes escultoricamente desenhados, as organizações domésticas e a integração nos mais variados contextos, adequaram-se o mais possível aos hábitos e aos diferentes requisitos das famílias a alojar.
As propostas estendiam-se para além da casa, abrangendo significativas áreas de terreno e oferecendo toda uma estrutura necessária a diversas funções de carácter coletivo[16]. Dada a densidade de algumas propostas, os projetos eram distribuídos por diferentes autores[17], constituindo-se exemplos muito ricos do ponto de vista formal e construtivo.
Segundo Nuno Teotónio, foi no aspeto urbanístico que estas realizações se constituíram como exemplos de maior interesse, desde os pequenos núcleos aos grandes bairros. A arquitetura pensada com um sentido verdadeiramente social resultava, segundo o arquiteto, na relação entre a distribuição dos edifícios e os espaços exteriores com um acentuado carácter orgânico, estruturado e hierarquizado.
Se nos centrarmos na organização do espaço doméstico, salienta-se a importância do lavoro, «espaço não convencional destinado às tarefas domésticas, que frequentemente se impunha como o cerne organizativo do fogo»[18] e que teve significativa importância nas experiências das HE.
No regresso a Portugal, os dois arquitetos trouxeram um conjunto de referências operativas. Nuno Portas, que conduzia a vigorosa revista Arquitectura, dedicou-se à crítica e divulgação das experiências italianas, enriquecendo o panorama cultural português. A sua colaboração no atelier de Nuno Teotónio marcou, a partir desta data, um novo processo de enriquecimento formal questionando os dogmas funcionalistas. Absorveu as fontes necessárias para iniciar e estruturar novas propostas, partindo de experiências anteriores já formalizadas pelo colega.
As HE estavam, à data da viagem, não só em crescimento como também em grande mudança estrutural. Os ensinamentos conquistados pela experiência da visita, confirmaram algumas das conquistas já alcançadas, mas também posicionaram os interesses perante uma nova fase que se desenhava.
4. Cruzamentos e afinidades
Nuno Teotónio Pereira refletiu sobre as importantes analogias com as HE. Era hora de reunir um novo quadro de modelos e motivações a implementar. As afinidades eram claras:
1. Uma estrutura fortemente centralizada.
O organismo português, dependente do Ministério das Corporações e Previdência Social, formalizou as HE e constituiu um corpo técnico capaz de responder eficazmente ao problema da habitação através da construção de “Casas de Renda Económica” com fundos da Previdência. Ambos os organismos tinham uma estrutura central coordenadora, sediada em Lisboa (HE) e em Roma (INA-Casa), a partir da qual estabeleciam contactos com outras pequenas estruturas de apoio regional. No caso português, os municípios ou a rede de arquitetos regionais e, no caso italiano, organismos regionais já existentes;
2. Uma frente de trabalho à escala nacional.
Ao contrário de outros pequenos planos que se dirigiam a problemas colocados pelo deficit habitacional em contextos específicos, os dois organismos trabalharam à escala nacional. Projetos ambiciosos, mas com capacidade para cobrir todo o território nacional;
3. Um aparelho administrativo e burocrático reduzido ao mínimo.
Ambos os organismos tinham como objetivo distanciarem-se de grandes
estruturas burocratizadas. Todo o sistema de encomenda e gestão de obra era gerido pelos serviços centrais ou a partir da encomenda direta (HE), ou por concurso (INA-Casa);
4. Uma comissão técnica consultiva.
Apesar de até 1958 as HE não possuírem nenhuma comissão técnica consultiva oficial, sendo todo o trabalho executado por Nuno Teotónio, depois desta viagem, oficializou-se o Gabinete de Estudos e Projectos, com a finalidade de estudar e aprofundar modos de atuação no exercício do projeto (desde o grande conjunto urbano, à especialização funcional da casa e métodos construtivos);
5. Uma equipa jovem e dinâmica.
Com serviços técnicos mais ou menos exíguos, mas em crescente construção, ambos os organismos permitiram a formação de uma espécie de gabinete de arquitetura interno. As HE alimentaram-se de jovens arquitetos detentores de uma dinâmica e ansiedade em experimentar novas formas de organização do espaço, assim como novas conquistas no âmbito da investigação sobre a casa. Para além do gabinete de arquitetura interno, os projetos eram encomendados a profissionais liberais também jovens, permitindo sempre que possível a disseminação por todo o território nacional dos autores melhor conhecedores do contexto a intervir. A qualidade da produção, em ambos os casos, proveio da participação ativa por parte destes profissionais que, dadas as necessidades de resposta à quantidade de projetos solicitados, não permitiram a falta de qualidade dos mesmos, aproximando-os antes das realidades culturais, necessidades específicas da população a alojar, respondendo às imposições económicas constantes, dizendo por isso, não aos projetos tipificados;
6. Um programa funcional diverso.
A arquitetura pensada com um sentido verdadeiramente social pressupunha que o agrupamento a implementar não contemplasse apenas habitação, mas também um conjunto de outras funções complementares à mesma. Se esta questão estava presente nas propostas italianas, em Portugal, nem sempre foi possível avançar com o estipulado. Foram poucos os casos em que tal sucedeu, independentemente do interesse e vontade dos projetistas. Questões financeiras, por um lado, e de aproveitamento de sinergias com o contexto urbano, por outro, não duplicando assim funções, foram razões que encontramos como resposta a esta circunstância;
7. Uma importação formal por simpatia.
Associado ao programa funcional do agrupamento e da casa onde logradouros eram simpaticamente pensados como espaço público comum, no caso de zonas urbanas, ou em espaços de cultivo particulares e contíguos às habitações, em zonas rurais, um novo léxico começou a transformar os contextos de inserção dos agrupamentos. Ao mesmo tempo que se empenhavam em avaliar o que se passava internacionalmente houve, de facto, um interesse pela realidade nacional e pelo imaginário extraído da arquitetura popular. Houve uma vontade de comunicar através da arquitetura por via do detalhe, que se tornou próxima e compreensível pelas classes populares.
Ensaiaram-se novos esquemas habitacionais, apostando na simplificação programática através da concentração das funções num núcleo centralizado e que assumia o principal espaço da vida doméstica, frequentemente aplicada em situações de raiz vernacular, mas também em contexto urbano. Os acessos passaram a ter uma expressão peculiar, reconhecendo-se o empenho em descolá-los de todo o conjunto edificado, pelo movimento das pessoas possuir um valor estimulante da vida social. Um processo que traduzia alguma complexidade se nos focarmos no interesse da simplificação programática.
Nuno Portas assumiu esta posição, afirmando que,
(…) a percepção que tínhamos da complexidade e das contradições de uma realidade como a portuguesa daquele tempo – as mentalidades e as esperanças das famílias para quem fazíamos os bairros e as casas, (…) -, conduzia-nos, com maior ou menor consciência, a desenhos também complexos e contraditórios, afastando-nos instintivamente da opção de um “estilo” ou de soluções “puras” que se esgotassem numa só leitura (…).[19]
Este novo quadro, profundamente visível após a viagem a Itália, foi coincidente com um momento de viragem na estrutura das HE, embora não promovendo qualquer impasse: Nuno Teotónio Pereira deixou de exercer a figura de técnico, passando a consultor – cargo que ocupou até à extinção do organismo em 1972 -, entrando o atento e vigoroso João Braula Reis para a direção dos serviços técnicos.
Da viagem, concluímos que se extraiu uma excelente oportunidade de contacto com outras realidades e que na verdade se constituiu como mais uma experiência enriquecedora não só para as HE enquanto organismo, mas também para a arquitetura produzida por via das HE.
- Alberto AC, “Um problema”, A Arquitectura Portuguesa, 125, 1945, 6. ↑
- Lei 2007, de 7 de maio de 1945. ↑
- Decreto-lei 35611, de 25 de abril de 1946. ↑
- Nuno Teotónio Pereira integrou as HE em 1948, para o acompanhamento das obras do Bairro de Alvalade em Lisboa. ↑
- Ver: Maria Tavares, “Leituras de um percurso na habitação em Portugal. As Habitações Económicas – Federação de Caixas de Previdência”, Habitação para o maior número. Portugal, os anos de 1950-1980, Lisboa, IHRU e CML, 2013, 21. ↑
- Nuno Teotónio Pereira, “Informação LXIX/58 aos Serviços Técnicos das HE”, Lisboa, Acervo Documental sobre Habitação e Urbanismo de Nuno Teotónio Pereira, LNEC, 1958. ↑
- Nuno Portas integrou em 1957 o primeiro atelier da Rua da Alegria em Lisboa, partilhado com Nuno Teotónio Pereira, Raul Chorão Ramalho e Manuel Tainha e, mais tarde, o segundo, onde Bartolomeu da Costa Cabral e Nuno Teotónio o aceitam como colaborador e, posteriormente, associado. ↑
- Ver: Maria Tavares, “O CODA de Nuno Portas e as Caixas de Previdência”, Nuno Portas 18 Obras Partilhadas, Porto, Circo de Ideias, 2019, 50. ↑
- CODA: Concurso para Obtenção do Diploma de Arquitecto. ↑
- Em Espanha foram apenas visitadas 3 obras, aproveitando o atravessamento do país: a aldeia de Vilafranco del Guadiana em Badajoz; o Bairro Experimental de Madrid e um quarteirão de casas para pescadores em Barcelona. Estabeleceram ainda breves contactos com o Ministério de La Vivienda, o Instituto Nacional de Colonización e o Instituto Nacional de La Vivienda. ↑
- O financiamento do plano estava a cargo de todos os trabalhadores em atividades à exceção dos rurais, empresas particulares e do Estado. Acrescentavam a estas contribuições as importâncias das vendas das habitações (com renda resolúvel) e os arrendamentos mensais. Carlos Almeida, “Soluções administrativas sobre o problema da habitação, encontradas pela Itália, Espanha e Bélgica”, Habitações Económicas – Federação de Caixas de Previdência, Colectânea de Estudos de Habitação, Ano 2, 13, 1964. ↑
- José António Bandeirinha, O Processo SAAL e a arquitectura no 25 de Abril de 1974, Coimbra, Imprensa da Universidade de Coimbra, 2007, 55. ↑
- Ibidem. ↑
- Rosalia Vittori, “La casa popolare dela ricostruzione”, Casa Pubblica e Città, Esperinze europee, riserche e sperimentazioni progettualli, Parma, MUP, 2009, 146. ↑
- José António Bandeirinha, O Processo SAAL e a arquitectura no 25 de Abril de 1974, Coimbra, Imprensa da Universidade de Coimbra, 2007, 55. ↑
- Por cada unidade que alojasse 1.000 a 2.000 habitantes, o programa tinha de contemplar: capela, escola infantil e primária, lojas, oficina de artesanato, posto de polícia, sede de serviço social, sala de reuniões, campos de jogos, parque infantil e respetivas garagens das habitações. Poderiam ainda estar previstas instalações com outra escala, tal como centro paroquial, mercado, posto clínico e cinema, instituindo uma dinâmica assente no reconhecimento de que os problemas da habitação não se circunscreviam apenas ao espaço doméstico. ↑
- Nomes como, Ludovico Quaroni, Mario Ridolfi, Carlo Aymonimo, Carlo Chiarini, Maurizio Lanza, Franco Albini, Gianni Albricci, BBPR, Ignazio Gardella, Luigi Castiglioni, entre outros, fizeram parte das equipas projetistas. ↑
- José António Bandeirinha, O Processo SAAL e a arquitectura no 25 de Abril de 1974, Coimbra, Imprensa da Universidade de Coimbra, 2007, 55. ↑
- Nuno Portas, “Atelier Nuno Teotónio Pereira. Um testemunho, também pessoal”, Arquitectura e Cidadania, atelier Nuno Teotónio Pereira, Lisboa, Quimera, 2004, 53. ↑