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Arquitetura e cidadania: a vida de Nuno Teotónio Pereira (2022)

Por iniciativa de familiares, de colegas e amigos, vai este ano ser celebrado o centenário do nascimento de Nuno Teotónio Pereira, arquiteto e ativista político.

Nascido no seio de uma família tradicionalista (era sobrinho de Pedro Teotónio Pereira que foi ministro do Estado Novo e primeiro representante do governo de então junto de Franco, em Burgos), cedo foi tocado pela realidade em que o país vivia e pela ânsia de participar na mudança que se impunha.

Escolheu formar-se em Arquitetura na Escola de Belas-Artes de Lisboa, um curso e uma profissão que não tinham nessa altura o reconhecimento que hoje têm, mas que desde logo o terá colocado perante o problema da habitação para o maior número.

Ainda estagiário participou no 1º Congresso Nacional de Arquitetura, em Maio-Junho de 1948, com uma tese, juntamente com M. Costa Martins, intitulada “Habitação Económica e Reajustamento Social” e lá pode ler-se em conclusão:

“…é condição preliminar e essencial integrar na cidade as habitações da classe proletária, abandonando-se a construção de bairros exclusivos…declaramos acreditar que será necessário incluir objetivos de reajustamento social num programa que pretenda uma autêntica reforma da Cidade.”

Tinha então Nuno Teotónio Pereira 26 anos. Depois, sem rigor cronológico, aqui se refere que ajudou a fundar uma cooperativa de habitação de caráter popular; entendendo que a censura privava a população de uma informação honesta, fundou e colaborava ativamente na redação e distribuição de um jornal clandestino intitulado “Direito à Informação”; com o seu 4L, aproveitando-se da localização da sua casa em Marvão, “passou” muitos antifascistas para a liberdade; recolhia e fazia chegar às famílias dos presos políticos os donativos que a solidariedade de muitos originava; esteve em vigília pela Paz na Capela do Rato.

Foi preso e torturado pela PIDE e no dia 27 de Abril de 1974 foi dos que passou os portões do Forte de Caxias, liberto.

Discursou e foi aclamado no primeiro 1º de Maio em liberdade, junto de Álvaro Cunhal e Mário Soares, como representante dos católicos progressistas.

De Nuno Teotónio Pereira como arquiteto se poderá dizer que cada um dos seus projetos é uma manifestação de arte e humanidade, desde o Bloco das Águas Livres até aos edifícios construídos por iniciativa municipal nos Olivais Norte, em Lisboa. Pois sendo o primeiro destinado à classe média alta e os segundos a populações de menores recursos, com limites orçamentais tão distintos, para qualquer um deles convidou a colaborar artistas plásticos de igual gabarito.

E aqui nos arriscamos a dizer que os prédios dos Olivais são fundamento para afirmar que em Portugal o neorrealismo se manifestou na Arquitetura – no papel da família na organização interna dos fogos e, dentro da família, na posição igualitária da mulher ou na associação dos fogos, nos grandes patamares, nas galerias, nas generosas escadas, tudo espaços convidativos ao convívio vicinal e no desenvolvimento do sentido comunitário.

Francisco da Silva Dias
“A Voz do Corvo” – crónica de março, 2022
Publicada no jornal A Voz do Operário