Texto Atividade política Igreja católica

Capela do Rato, vigília da (1999)

PEREIRA, Nuno Teotónio. “Capela do Rato, Vigília da”. BARRETO, António; MÓNICA, Maria Filomena (coord.). Dicionário da História de Portugal, vol. VII. Porto: Livraria Figueirinhas, 1999-2000, p. 230

A ocupação por um grupo de católicos da capela do Rato, situada na Calçada Bento da Rocha Cabral, a partir de 29 [30] de Dezembro de 1972, destinava-se a durar até ao dia 1 de Janeiro e pretendia responder à palavra de ordem do Papa Paulo VI para o Dia Mundial da Paz. Essa palavra de ordem era naquele ano imperativa: “A paz é possível, a paz é obrigatória”. Como vinha sendo habitual, os bispos portugueses ignoraram esta directiva da Santa Sé, por lhes trazer incómodos a que não queriam expor-se no contexto de ditadura em que se vivia. Ela foi porém assumida por um grupo de frequentadores habituais da capela do Rato, local de culto inovador nas práticas litúrgicas e aberto às preocupações de ordem social, dirigida pelo padre Alberto Neto. Esta iniciativa da capela do Rato veio na sequência de uma outra vigília organizada anos antes, em 1 de Janeiro de 1969, na igreja de S. Domingos, também para celebrar o Dia Mundial da Paz. Um grupo de católicos decidiu permanecer durante toda a noite na igreja, a seguir à missa celebrada pelo Cardeal Cerejeira, avisado da ocorrência, mas que não encontrou maneira de se lhe opor. Não houve nessa altura repressão policial. A ocupação da capela do Rato obedeceu a uma preparação minuciosa e que contou com a participação das «Brigadas Revolucionárias», que se encarregaram da distribuição de panfletos na região de Lisboa. Depois de dois dias [um dia] de acesos debates, pois as portas foram abertas a crentes e não crentes, a vigília foi interrompida pela intervenção da Polícia de choque ao fim do dia 31, que prendeu todos os presentes, os quais foram identificados na vizinha esquadra do Rato. De entre eles, 16 [14] foram entregues à PIDE, que os levou para o forte de Caxias e mais tarde libertados sob caução. Mais de uma dezena de participantes na vigília, que eram funcionários públicos, foram objecto de processos disciplinares e demitidos. Tanto o Governo como o Patriarcado fizeram publicar notas oficiosas condenando os participantes na vigília e o Padre Alberto Neto foi destituído do seu cargo. O caso não pôde ser silenciado pela Censura e chegou mesmo à Assembleia Nacional, dando lugar a um aceso debate entre o deputado da União Nacional Casal Ribeiro, que acusava os ocupantes de traidores à Pátria, e o deputado pela ala liberal Miller Guerra, que justificava a sua atitude. O caso da capela do Rato teve assim ampla repercussão pública, tanto no País como no estrangeiro, traduzindo o mal-estar crescente perante o prosseguimento de uma guerra sem saída).

BIBLIOGRAFIA: O Caso da Capela do Rato no Supremo Tribunal Administrativo. Porto, Afrontamento, 1971. PEREIRA, Nuno Teotónio – Tempos, Lugares, Pessoas. Matosinhos: Contemporânea, 1996. PORTUGAL. Assembleia Nacional – Diário das sessões. Lisboa: Assembleia Nacional, 1973. Sessões de 15, 17 e 23 de Janeiro de 1973.