PEREIRA, Nuno Teotónio. [Habitação: um direito ou um negócio?]. Original manuscrito, 3 p.
Intervenção nas 1ªas Jornadas de Habitação, organizadas pela Plataforma Artigo 65, Lisboa, Teatro A Barraca, 24 fev. 2007
Publicado em Lisboa: temas e polémicas. Lisboa: Câmara Municipal de Lisboa, 2011, pp. 161-162 [Com o título “1ªs Jornadas da habitação: Plataforma Artº. 65: Teatro A Barraca, 24 Fevereiro 2007”]
HABITAÇÃO: UM DIREITO OU UM NEGÓCIO?
1. Em primeiro lugar, cumpre-me saudar a realização destas Jornadas, que são uma prova da vitalidade e da abertura que a Plataforma 65 veio trazer ao debate sobre as questões da Habitação.
A tónica que procuro focar na minha intervenção resulta exactamente da verificação dessa vitalidade e dessa abertura, pois pretendo chamar a atenção para a importância da participação das comunidades de moradores na resolução do seu problema habitacional.
A verdade é que, percorrendo as longas décadas em que tenho acompanhado ou mesmo participado activamente nas questões ligadas à habitação, verifico que, com a excepção do período imediato após o 25 de Abril, com o SAAL, as políticas da habitação têm negligenciado essa participação dos moradores, tornando-se muitas vezes em processos exclusivamente técnico-políticos ou mesmo burocráticos. Foi assim que conduziram frequentemente a soluções erradas, como a massificação dos empreendimentos de habitação social no âmbito do PER, que se verificou de algum modo em Lisboa.
Tendo referido o processo SAAL, quero deixar claro que não me parece aconselhável retomar agora esse modelo, baseado nas Comissões de Moradores de um dado bairro degradado, como forma a aplicar hoje em dia. De facto, a complexidade dos problemas a enfrentar e resolver exige uma escala de intervenção mais ampla do que a que foi encarada naquele momento tão singular da nossa História. Por exemplo, a utilização das casas devolutas ou a reabilitar, e a necessidade de apontar para soluções duradouras que combatam a exclusão social, não se compadece com processos imediatistas, espontâneos e territorialmente limitados, como os que se implementaram naquela época.
2. É assim que se nos coloca o desafio de – apesar dessa complexidade e desse alargamento da escala de intervenção – encontrar uma metodologia que não ignore no processo formas de participação dos moradores, que podem torná-lo mais dinâmico e mais de acordo com as necessidades dos interessados. Isto, tanto mais que a utilização de casas devolutas, dispersas no tecido urbano – e que deve assumir um papel dominante na política de realojamento – tornará necessariamente mais diversificado e complexo, por exemplo, o regime de atribuição dos fogos e da fixação das rendas.
Ora bem: as soluções do problema da habitação, que, durante a ditadura, dependeram da Administração Central, passaram a ser, com a instauração do poder local democrático, executadas a nível municipal, embora de acordo com legislação necessariamente emanada do poder central. Creio que é a esse nível que a implementação dos processos deve continuar a ser conduzida, mas com uma condição: a de que seja criada uma estrutura participativa que possa fazer ouvir a voz de todos os interessados, quer instituições, quer os próprios moradores organizados em comissões. A par, evidentemente dos serviços públicos responsáveis – quer os de nível nacional, quer municipal, e ainda as SRU, Juntas de Freguesia, etc. O que se propõe é a criação de uma instância que se poderia designar por Conselho Municipal da Habitação, que pudesse ser a casa comum de todos os implicados e interessados em atingir os objectivos que estão definidos no artigo 65 da Constituição.
3. Outra proposta tem a ver com a dinamização do sistema cooperativo nos processos de realojamento e de requalificação urbana. Em vez de as novas habitações ficarem sob a administração municipal ou de empresas municipais, devia ser incentivada a criação de associações a funcionarem no regime de inquilinato cooperativo, como forma de a respectiva gestão – quer se trate de conjuntos já existentes ou a construir, quer de fogos dispersos ou em propriedade horizontal – ser assumida pelos próprios moradores. Assim se passará de uma forma de dependência tipo assistencial para um processo de auto-gestão, garantindo uma administração de proximidade, na qual os moradores assumiriam as suas responsabilidades.
Dentro desta mesma lógica, nos processos que, com muitas dificuldades, a administração central vem alienando o seu enorme parque habitacional, fosse dada prioridade às cooperativas. Isto, em vez de essa gestão ser entregue às Câmaras ou a fundações, como aconteceu há tempos com um bairro em Lisboa, cedido à Fundação D. Pedro IV, com resultados que revoltaram os moradores e que estão agora a ser reavaliados.
O cooperativismo habitacional está, felizmente, numa fase de crescimento sustentado no nosso país, com esplêndidas realizações de Norte a Sul, de que foi expoente o Congresso há meses realizado em Sintra pela FENACHE. É tempo, pois, de aproveitar os benefícios do sistema, aproveitando as suas capacidades para construir, requalificar e gerir, num quadro em que a participação dos interessados acumule com uma sólida experiência nesse campo.