Pereira, Nuno Teotónio. “Optimizar o parque habitacional”. Original com notas manuscritas, 1985, 9 p.
Notas para intervenção em debate no Centro de Reflexão Cristã, mar. 1985
OPTIMIZAR O PARQUE HABITACIONAL
A situação actual em termos de carências, quantitativas e qualitativas, deve fazer colocar como prioridade a optimização do parque habitacional existente.
É evidente que, para a superação da crise, a construção nova não pode ser abandonada, terá mesmo de ser incentivada e orientada. Mas a prioridade à optimização do parque habitacional impõe-se:
a) porque os seus efeitos sobre as carências são muitíssimo mais rápidos. Veja-se o nosso esforço que não atinge os 40.000 fogos/ano. Para absorver o déficit num horizonte de 20 ou 30 anos, será preciso atingir os 70 ou 80 mil fogos/ano – uma política concertada sobre o parque existente pode abranger em poucos anos muitas dezenas de milhar de fogos;
b) porque as necessidades de investimento são muitíssimo mais reduzidas. E sabe-se como os encargos de financiamento pesam enormemente sobre o custo final da habitação. E ainda porque o capital não necessita de ser concentrado para esses investimentos: ele seria muito mais directamente canalizado das pequenas poupanças para o investimento;
c) porque os encargos com terrenos e com infraestruturas, que também pesam enormemente, seriam praticamente anulados – e com eles os custos económicos e sociais da expansão urbana, que são pesadíssimos, sobretudo nas grandes cidades (periferias, transportes, equipamentos, etc.);
d) energia, etc.
Potenciar o parque habitacional.
– Uma nova realidade: os interesses comuns superam hoje os interesses antagónicos;
– a antinomia inquilino/senhorio está ultrapassada e não pode ser resposta em termos significativos: o aumento de rendas social e economicamente compatíveis não chegará para ressarcir os senhorios; e sobretudo: não chegará para acudir às despesas de manutenção do imóvel;
– os interesses comuns: ambos estão interessados na conservação (e até os inquilinos mais do que os senhorios): daí que tenha de ser criado um mecanismo susceptível de integrar essa realidade;
– co-propriedade?
– hoje é ao nível do prédio que as soluções têm de ser encontradas, como na produção é ao nível da empresa;
– a lei das rendas ignora isto, pretende irrealisticamente “repor as coisas no seu lugar”; 50 anos de congelamento + crise económica não o permitem;
– os inquilinos, após muitos anos de benfeitorias interiores, vêem agora as casas a cair de velhas, os desmoronamentos são cada vez mais frequentes, o próprio estatuto social é atingido.
1. Definir com clareza, por zonas, o destino dos prédios:
a) aqueles onde é possível uma reconstrução, com demolição (permitindo aumento de volume ou não);
b) os restantes, onde não será permitido qualquer aumento de volume.
2. Nas zonas b), mecanismos de entendimento senhorio/inquilinos, para comparticipação nos encargos de manutenção, vinculando para esse efeito parte do aumento das rendas e até nos encargos de gestão. Neste caso passa a haver interesses comuns: evitar a degradação do património.
Caracterizar a situação actual de bloqueio total, maximizando o sub-aproveitamento do parque, com exemplos: pessoas sós ou idosos; pessoas com emprego na província (ou nas capitais) e medo de perderem a casa primitiva; sobre-ocupação…
Mecanismos de mobilidade do parque habitacional
– evitar casas sub-ocupadas ou desocupadas
– arrendamentos temporários (por exemplo para quem vive um período fora de casa)
– incentivos, garantias…
Conjunto de medidas concertadas, tendo como objectivo claramente visado a optimização do parque habitacional
1. Preservação do parque habitacional – física e funcional
Evitar a ruína, suster a degradação, reduzir as demolições fundamentalmente a situações de patologia construtiva incurável. Suster a destruição. Quebrar as expectativas pela demarcação de zonas onde [não será possível] o aumento de volume.
2. Mobilidade do parque habitacional
Casas sub-ocupadas versus sobre-ocupadas.
Casas fechadas (arrendamentos e sub-arrendamentos temporários – pelos proprietários / pelos inquilinos).
Política de incentivos e de garantias de reocupação.
3. Recuperação física e funcional do parque habitacional
Conservação + beneficiação.
4. Rentabilização do espaço
a) do espaço existente: subdivisão de fogos grandes
b) aproveitamento do terreno: aumento de andares versus demolição
5. Utilização rápida das casas recém-construídas
O regime jurídico de arrendamento está em crise
– daí o ser impossível ou improvável a recuperação em termos de promoção;
– daí também a necessidade de liquidar, cautelosamente, esse regime no parque existente. Como?
– Qualquer coisa do tipo de os senhorios serem indemnizados, ficando o prédio em co-propriedade, mediante regimes de transição; o regime de financiamento desta operação suporia:
a) uma certa actualização das rendas;
b) a canalização de uma parte das rendas para indemnização ao senhorio;
c) a canalização de outra parte para obras de manutenção.
– Haveria que ser exercida uma certa tutela durante o regime de transição (por exemplo, os Serviços Municipais de Habitação, que poderiam ser desdobrados ao nível de freguesia nas cidades centrais).
– Findo o período de transição, o prédio ficaria em co-propriedade (condomínio) plano, com a liquidação da indemnização ao senhorio.
Análise breve da evolução e causas da crise
Quanto à promoção estatal
– promoção descentralizada, mas planificada em Lisboa: Previdência, G.T.H., C.E.
– concentração marcelista no F.F.H. (gigantismo dos órgãos e operações)
– o relâmpago SAAL / o PRID / o apoio às cooperativas
– desmantelamento do F.F.H. em vez da sua reconversão
– o apoio exclusivo e indiscriminado à promoção privada lucrativa
– a fúria da privatização lucrativa (distinguir)
Agora: iniciativas em várias direcções, mas desconexas. Um exemplo é a lei das rendas.
Falta uma política global e integrada.
Objectivos simultâneos laterais:
– dinamizar a indústria da construção nos vários graus de dimensão
– desemprego
– ambiente, qualidade de vida (planeamento)
– defesa do património, imagem da cidade e da habitação nos próprios locais.
Final
Os adversários desta política são poderosos e estão muito bem organizados: os grandes empreiteiros, os negociantes de terrenos, têm dirigido toda a política urbana dos últimos anos.
A lei das rendas inverteu os objectivos: o aumento do rendimento dos senhorios não vai resolver os problemas de fundo: é um objectivo vago e sem horizontes. O que devem ser os verdadeiros objectivos são contemplados com disposições laterais e complementares.