ALEXANDRE, Álvaro; RICOU, Gastão; REIS, João Braula; PEREIRA, Nuno Teotónio; NUNES, Paulo. “Problemas de base postos pelo estudo da Habitação Económica”. II Colóquio Nacional do Trabalho, da Organização Corporativa e da Previdência Social. [Lisboa: 1962], pp. 117-136
Republicado em Arquitectura, nº 76, out. 1962, pp. 47-50.
PROBLEMAS DE BASE POSTOS PELO ESTUDO DA HABITAÇÃO ECONÓMICA
Comunicação ao II colóquio do Trabalho, da Organização Corporativa e da Previdência Social
I – EXPLICAÇÃO PRÉVIA
Correspondendo a habitação, tal qual a saúde, a alimentação e a educação, a necessidades humanas primordiais, não pode adiar-se por mais tempo o estudo sério do problema e a adopção de medidas eficazes para o resolver.
Perante a gravidade da nossa situação habitacional, sabe-se que o País não poderá dispor dos meios necessários para a solução imediata da crise, tendo em vista a nossa reduzida capacidade de investimento e as exigências postas pelo desenvolvimento económico. Importa por isso que todos os meios disponíveis sejam utilizados no seu máximo rendimento e que novos meios sejam criados.
Atendendo àquela limitação, é indispensável que todos os nossos recursos em energia, capacidade de organização, capitais, materiais e mão-de-obra, técnicas, etc., que possam ser utilizados na construção de habitações, o sejam apenas naquelas que têm carácter social e que correspondam às necessidades da população mais mal alojada.
A habitação económica só tem sentido se for ordenada a um objectivo de carácter social e para o ser, terá de abranger a generalidade da população e situar-se no contexto económico-social do povo português.
A habitação económica, que começou por ser orientada para determinadas camadas da população, tem hoje um âmbito muito mais amplo, uma vez que o problema da habitação é um problema de todos e não pode deixar de situar-se no conjunto do País. Trata-se agora de construir «economicamente» à luz dos recursos nacionais e imprimir um sentido social à habitação para todos. Deste modo é preciso aplicar a toda a construção os critérios que se reservavam até agora para a habitação dita económica, e por forma a que:
a) se resolva o problema habitacional do maior número possível de famílias num dado período;
b) as casas construídas tenham condições de habitabilidade consideradas suficientes.
Esta perspectiva coloca-nos perante o facto de que a habitação económica não deve ser um sector, mas tem de ser a totalidade: o económico, como o social, não se pode apenas aplicar a uma parte – implicam o conjunto.
Deste modo, o estabelecimento de níveis habitacionais, por exemplo (o «standard»), só tem sentido se for inserido no quadro económico-social de um plano, tendo em conta objectivamente as necessidades da população e os recursos do País – avaliados ambos não no sector restrito de uma classe, mas em relação ao conjunto da Nação.
E ainda que considerássemos a habitação económica como um sector restrito, bastaria a necessidade de a enquadrar na habitação em geral para que fosse imprescindível estudar todo o conjunto. Esta necessidade não se tem feito sentir até à data porque as realizações têm sido muito reduzidas e a consciência da situação nem sempre foi muito nítida. Mas já que se abrem perspectivas para um incremento das iniciativas e que a gravidade das nossas carências não pode ser ignorada, é imperioso considerar todos os sectores da produção e ordenar todos os empreendimentos a um fim primordial que é dar uma verdadeira casa a todos os portugueses.
Assim, no estudo que se segue, a habitação económica é encarada em toda a sua amplitude, e não apenas dentro do âmbito tradicional ou limitada aos quadros da Previdência, embora a esta possa caber grande papel na obra a realizar.
Para tanto, torna-se necessário em primeiro lugar o estudo rigoroso da nossa situação actual, para que todo o esforço o seja exactamente onde é mais necessário e útil.
II- ESBOÇO DA SITUAÇÃO ACTUAL
Conforme se encontra explicado no anexo a esta exposição, as nossas necessidades em habitações no decénio que terminou em 1960 teriam sido de umas 600 000 habitações; para se chegar a este número, no entanto, teve de se admitir que as reposições do nosso património se limitariam às resultantes do envelhecimento, depois de 123 anos, e do desaparecimento por acidente ou desvio funcional. Admite-se assim a modesta hipótese de a reposição resultante da falta de condições mínimas das habitações não ser considerada directamente, isto é, que só estaria terminada dentro de 123 anos.
Também se concluiu naquele estudo que, por no mesmo decénio se terem construído 280 785 habitações o «deficit» inicial que era em 1950 de umas 250 000 habitações passou em 1960 a ser da ordem das 300 000 habitações.
Lá se vê ainda que para cumprir o programa habitacional determinado teríamos de incrementar as produções de telhas e tijolos de modo a quadruplicá-la, de cimento de modo a acrescê-la de 12%.
Cabe ainda esclarecer que a construção de 60 000 habitações por ano, se for convenientemente estudada e planeada, representa um encargo financeiro da ordem dos 4,8 milhões de contos, incluindo terrenos, urbanização e edificações complementares (culturais, comerciais, sanitárias, assistenciais, administrativas e outras), estas últimas na proporção duns 60% (os outros 40% supostos suportados por outros sectores da Economia Nacional).
Finalmente refere-se como dado interessante que das 280 785 habitações construídas no decénio findo em 1960, 261 498 (93,1%) couberam à iniciativa particular e 19 287 (6,9%) à acção directa ou indirecta do Estado; destas últimas, 2 423 (12,6%) foram casas de renda económica, construídas pela Previdência, sendo as restantes casas económicas casas para as classes trabalhadoras, casas para pescadores e casas de renda limitada.
III – NECESSIDADES DE UMA POLÍTICA DE HABITAÇÃO
Uma vez conhecida a situação actual, tanto no que respeita às necessidades (presentes e futuras) como aos meios de que actualmente dispomos para as satisfazer, torna-se indispensável definir uma política de habitação, através da formulação dos objectivos a atingir e da estruturação dos meios para lhe dar execução.
Esta política enquadrar-se-à naturalmente na política geral do Estado, tendo presentes as necessidades do desenvolvimento económico e as exigências de carácter social, contraditórias apenas a curto prazo, sabendo-se que os factores de ordem social podem, dentro de certos limites, contribuir eles próprios para o desenvolvimento económico.
Nestas exigências de carácter social, deve dar-se relevo ao sentido de apoio à família que implica a construção de habitações, sem esquecer que existe uma relação entre as condições de habitação e o rendimento nacional.
De acordo com a recomendação do B.I.T. (sessão de 1961), «a política da habitação deve ser coordenada com a política social e económica geral, de modo que a habitação dos trabalhadores possa beneficiar de um grau de prioridade, baseado por um lado nas necessidades a que tem de responder e por outro nas exigências de um desenvolvimento económico equilibrado».
IV – FINANCIAMENTO E POLÍTICA DE RENDAS
As actuais fontes de financiamento da habitação têm sido, numa proporção esmagadora, o capital privado (93,3% em 1960), sobretudo o de tipo lucrativo (construção de casas para rendimento nas zonas urbanas), os capitais da Previdência e finalmente os do Estado (este em proporções diminutas).
O grande volume de construção executado pela iniciativa privada de carácter especulativo tem sido apoiado em larga medida na concessão de crédito dos fundos públicos (sobretudo através da Caixa Geral de Depósitos), mas não oferendo em contrapartida todos os benefícios de carácter social que seriam possíveis. Quer dizer: tal concessão de créditos tem-se baseado exclusivamente em critérios puramente financeiros de aplicação de capitais deixando assim perder-se a oportunidade para se fixarem benéficos condicionamentos de ordem técnica e sociológica que teriam podido conferir às centenas de milhares de habitações construídas neste regime um carácter de adequação às necessidades, que quase inteiramente lhes falta.
Quanto aos capitais da Previdência, é sabido que o condicionalismo a que estão sujeitos não permite a sua aplicação generalizada relativamente às classes menos favorecidas da população, que são justamente as que constituem a grande maioria do povo português.
Efectivamente, há muito se reconhece que uma política de fomento da habitação social não pode dispensar uma decidida intervenção do Estado no plano financeiro, competindo-lhe, como entidade impulsionadora e coordenadora, tanto o encaminhamento da iniciativa privada no sentido de conferir à habitação um carácter social, como o de apoio directo ao sector público e ao sector privado não especulativo (Previdência, cooperativas, construção pelo próprio, etc.).
Este apoio financeiro destina-se a cobrir a diferença entre as exigências de rentabilidade do capital e as possibilidades económicas da generalidade da população, e pode abarcar as seguintes modalidades:
1 – Fornecimento de subsídios não reembolsáveis para a execução dos programas estatais ou para a subvenção de outros obedecendo a determinadas características;
2 – Concessão de capitais não vencendo juros e reembolsáveis a longo prazo;
3 – Concessão de empréstimos a juros mais baixos e prazos mais longos do que os normais no mercado livre;
4 – Fornecimento de garantias a estabelecimentos de crédito e instituições de previdência com vista a facilitar os empréstimos e aplicações de capital a um juro baixo;
5 – Concessão de isenções de carácter fiscal suficientemente amplas para imprimirem decisivamente um sentido social à iniciativa privada.
O facto de apenas 6,7% dos fogos construídos nos centros urbanos se poder considerar de carácter social pode explicar-se em larga medida pela insuficiência da intervenção estatal neste domínio. Com efeito, das modalidades atrás referidas tem-se adoptado sobretudo entre nós as nºs 1 e 2. Mas o fornecimento de subsídios não reembolsáveis tem sido ínfimo em relação às necessidades e as isenções fiscais têm sido aplicadas através de uma legislação defeituosa que não tem permitido que se atinjam as suas intenções de carácter social.
A iniciativa privada de carácter individual (construção pelo próprio) foi objecto de legislação recente – lei 2092 – que embora de aplicação sempre limitada, pode no entanto ser ampliada mediante acertos sucessivos indicados pela própria experiência.
No âmbito desta lei, os capitais da Previdência, aos quais está fixada, por imperativo da sua função específica, uma rentabilidade demasiado elevada para atender às necessidades da maioria da classe trabalhadora, podem beneficiar de subvenções do Fundo Nacional de Abono de Família, já dentro da orientação de um sentido social. No entanto, esta possibilidade será necessariamente limitada, não podendo ter a amplitude exigida pelas necessidades.
Ainda dentro do sector não lucrativo, as formas cooperativas de construção não têm merecido qualquer apoio do Estado constituindo este facto uma das mais graves lacunas, sobretudo num país de fracos recursos, em que todas as energias latentes deverão ser aproveitadas.
Como norma geral, competirá ao Estado exercer o apoio financeiro que só ele está em condições de poder prestar, por forma a serem estimuladas e canalizadas no sentido conveniente todas as possibilidades do capital privado dos diversos ramos, através das modalidades mais indicadas para cada caso. Deste modo será possível, ainda que com capitais do Estado relativamente limitados (mas no entanto em volume muito maior do que até aqui) fazer render socialmente ao máximo os capitais de origem privada, imprimindo à construção de habitações um nítido carácter de serviço público.
No que respeita à política de rendas, importa dar-lhe um sentido vincadamente social, por forma que os encargos com a habitação sejam proporcionais aos recursos das diferentes camadas da população.
Devem urgentemente pôr-se em prática, de uma forma generalizada, princípios como o da compensação de rendas num âmbito tão amplo quanto possível e sua actualização, sobretudo nas habitações gozando de regime especial (casas de renda económica e renda limitada, por exemplo), de modo a acompanhar o aumento da capacidade de pagamento de muitos dos moradores.
Ao mesmo tempo, enquanto não é possível fornecer alojamentos adequados a todos, deve pôr-se em prática o sistema de subsídios de renda, concedidos em regime semelhante ao dos abonos de família, conforme a recomendação do B. I. T. (sessão de 1961).
V – POLÍTICA DE TERRENOS
Não há qualquer possibilidade – e a experiência de muitos países o comprova – de resolver o problema da habitação sem um conjunto de medidas que permitam às entidades construtoras dispor de grandes quantidades de terrenos a custos compatíveis com os objectivos sociais em vista. Em certo sentido, pode mesmo dizer-se que a política do solo é a pedra de toque de uma política de habitação.
Com efeito, ao enfrentar-se este problema da falta de alojamentos, verificam-se carências de toda a ordem: de capital, de mão de obra, de técnicos, de materiais de construção, de organização técnica e administrativa, de espírito social, etc., etc. De tudo isto temos realmente muita falta , falta que não podemos superar de um dia para o outro. Mas ao menos uma coisa temos em abundância: terrenos. E é precisamente a dificuldade em obter terrenos que constitui hoje o mais forte travão à construção de casas.
Sabendo-se que o custo de uma habitação, pagável sem juros em 20 anos, conduz só por si a uma prestação mensal incompatível com as possibilidades da grande maioria das famílias que hoje as não têm, compreende-se facilmente como não é possível agravá-lo com custos de terrenos que no mercado livre chegam a atingir já hoje mais que o custo da própria construção.
Para combater este absurdo, recorreu o Governo a medidas de expropriação que se têm mostrado praticamente ineficientes no domínio da habitação.
Algumas soluções mais enérgicas, tendentes a eliminar este grande obstáculo, tais como: criação de fundos destinados a compra antecipada de terrenos pelos organismos dedicados à construção de habitações sociais ou pelas Câmaras que a eles cederiam sem lucros; declarações de utilidade pública para os referidos terrenos permitindo utilização imediata antes da conclusão dos processos de expropriação; constituição de tribunais com carácter permanente com vista a um tabelamento dos terrenos, etc., não têm conduzido, nos países que as têm aplicado, a resultados inteiramente satisfatórios.
Põe-se aqui uma questão de princípio: um terreno destinado ao uso da comunidade não pode estar sujeito na sua aquisição a uma mais valia beneficiando o proprietário e que resulta afinal de obras feitas por essa mesma comunidade.
Além disso, o preço da aquisição de terrenos para os empreendimentos de carácter social não deve depender do mercado livre dominado pela especulação. Ao mesmo tempo, o regime a estabelecer para estes empreendimentos deverá alargar-se a todos os sectores da habitação, mesmo o de carácter privado.
Deste modo, a especulação só poderá ser impedida por medidas decisivas, que poderão ser, por exemplo:
1 – tabelamento por zonas, de todo o terreno com interesse urbanístico, impedindo-se o particular de se apropriar da valorização que pudesse vir a obter-se a partir da data do tabelamento pela sua transacção, aluguer ou utilização própria;
2 – criação de um fundo de financiamento que permitisse aos Municípios a compra ou a congelação de todo o terreno considerado urbano ou urbanizável aos preços de tabela fixados.
Dentro desta perspectiva, deve considerar-se o importante papel que os capitais da Previdência podem desempenhar neste capítulo.
A meta a atingir será que o terreno urbanizável esteja à disposição de toda a comunidade, que o poderá utilizar em condições compatíveis com os objectivos exigidos por uma política nacional de habitação.
VI – COORDENAÇÃO ADMINISTRATIVA
Como condição prévia, não só para a formulação de uma política de habitação, mas até para o estabelecimento de um programa, concluiu-se no seminário das Nações Unidas dedicado aos países em vias de industrialização que se torna necessária a existência de um único organismo coordenador.
Com efeito, só um organismo situado a alto nível poderá promover os estudos e fazer as opções necessárias para a solução do problema posto pela grande disparidade entre as necessidades e os recursos disponíveis no que toca à habitação. O problema consiste numa questão de prioridade, por um lado, do sector habitacional em relação à economia geral, e por outro, dentro deste sector em relação às diferentes necessidades.
A existência deste organismo coordenador, se pressupõe uma centralização para a definição das linhas gerais de uma política e para o estabelecimento dos programas, não implica, por outro lado, a centralização da execução ou das iniciativas, que devem de preferência ficar a cargo de entidades locais ou sectoriais.
Tem-se por certo que uma decisão no sentido de enfrentar e resolver a crise habitacional se há-de traduzir necessariamente na criação de um organismo coordenador, pois se julga concludente a experiência de outros países e a nossa própria acerca da sua indispensabilidade. Em Espanha, por exemplo, o Plano Nacional da Vivenda, publicado em 1961, não teria sido possível sem a criação prévia do Ministério da Vivenda, já em 1957.
VII – PROGRAMAS HABITACIONAIS
Como instrumento indispensável de uma política da habitação, terá de estabelecer-se um plano ou programa nacional da habitação a longo prazo, tal como se concluiu na já citada reunião das Nações Unidas: «Um programa de fomento habitacional é o factor vital do planeamento da construção de habitações e é indispensável elaborar esse programa em países com uma taxa de industrialização rápida e que estão a sofrer modificações demográficas e sócio-económicas».
É evidente que, para combater um mal, é necessário conhecê-lo na sua verdadeira dimensão e, por outro lado, pôr em acção os meios que permitam suprimi-lo em dado espaço de tempo.
Este programa pressupõe assim o conhecimento da nossa situação carencial no presente e no futuro e dos meios de que dispomos actualmente para a combater. E implica por outro lado o estudo de novos meios a pôr em prática, à luz dos recursos utilizáveis que permitam resolver o problema em dado prazo.
A dimensão do programa dependerá assim, por um lado, do volume de investimento que se poderá aplicar e, por outro, dos meios materiais que existam ou possam ser criados (materiais, mão de obra, organização, etc.).
Deverá incluir tanto o sector público como o privado nas suas diversas modalidades, aquele com um carácter mais preciso, este com um carácter mais aproximado. O programa terá um primeiro aspecto de âmbito nacional no plano económico e desdobrar-se-á em planos parciais ligados ao planeamento territorial e articulando-se com outros planos sectoriais (comunicações, fomento industrial, reorganização agrária, etc.).
Em face da grande desproporção entre as necessidades e as possibilidades de realização, impõe-se estabelecer uma ordem de prioridades para a satisfação daquelas necessidades, por forma que a utilização dos recursos seja feita exactamente onde e como pode ser mais útil, tanto no aspecto do rendimento quantitativo (o maior número de fogos possível), como no qualitativo (satisfazendo os requisitos mínimos de habitabilidade), como ainda na sua projecção social. De uma forma geral, deve dar-se prioridade, por um lado, às necessidades habitacionais derivadas de novos empreendimentos económicos e, por outro, à melhoria da habitação das classes mais mal alojadas.
A propósito, deve dizer-se que a aplicação dos nossos recursos financeiros e industriais na construção de habitações em regime de mercado livre, dirigida sobretudo para as classes mais abastadas, é feita no fundo em detrimento da parte da população mais mal alojada. Esta situação pode considerar-se intolerável, impondo-se portanto o condicionamento do sector privado, por forma a dirigi-lo no sentido de se atender prioritariamente a estes casos.
Para este efeito, os poderes públicos podem normalmente lançar mãos de dois meios: a ajuda financeira (em forma de empréstimos ou de isenções) e a concessão de terrenos, obrigando os construtores a respeitarem não só normas mínimas como também limites máximos, contrariando as construções de luxo que o nível económico do País não pode comportar.
É este um dos aspectos em que se salienta com maior evidência a inter-relação entre o sector público e o privado, uma vez que o financiamento de ambos é retirado da parte do investimento nacional que pode atribuir-se à habitação.
CONCLUSÕES
I – A habitação económica só tem sentido se for ordenada a um objectivo de carácter social. Não pode portanto confinar-se a um sector da população, mas sim à sua totalidade, inserindo-se no contexto económico-social do povo português.
II – Perante uma situação que se pode considerar extraordinariamente grave, até porque a falta de dados concretos não permite medir toda a sua extensão, importa que se faça a avaliação das nossas necessidades presentes e futuras, tendo em conta a carência actual de habitações acessíveis aos necessitados, o aumento demográfico, os movimentos migratórios, a substituição de casas arruinadas ou incapazes, etc.
Para tanto, é indispensável a elaboração de estatísticas adequadas e completas.
III – Por outro lado, é necessário que, paralelamente, se promova o balanço dos recursos que podem ser atribuídos à habitação, incluindo aqueles que possam ser utilizados, ainda que à custa de reformas estruturais.
IV – Em face dum conhecimento da situação, deve definir-se então claramente uma política da habitação e criar-se um único departamento coordenador responsável pela sua boa orientação.
V – Deve definir-se, em face dessa política, o prazo dentro do qual o deficit existente pode ser anulado e concretizar os diversos meios a utilizar para esse efeito.
VI – Ao mesmo tempo, sobretudo enquanto não é possível oferecer alojamentos adequados a todos, deve pôr-se em prática o sistema de subsídios de renda, concedidos em regime semelhante ao dos abonos de família.
VII – Devem estabelecer-se limites mínimos e máximos condicionando o aspecto qualitativo das novas habitações por forma a obter-se o maior rendimento social e económico dos recursos disponíveis.
VIII – Não podendo aceitar-se que uma comunidade seja permanentemente privada da melhor utilização do seu terreno urbano só porque entre ela e esse terreno de que precisa, se interpõe um particular que especula com uma valorização resultante afinal de obras feitas por essa mesma comunidade, torna-se indispensável que se ponha em prática uma política eficaz do solo permitindo obter a tempo os terrenos indispensáveis, nas condições de preço compatíveis com os objectos sociais do programa, e por forma a garantir a respectiva urbanização e a construção dos edifícios complementares.
O que pode conseguir-se através de:
a) Um tabelamento por zonas, de todo o terreno com interesse urbanístico, impedindo-se o particular de se apropriar de toda a valorização que pudesse vir a obter, a partir da data do tabelamento, pela sua transacção, aluguer ou utilização própria.
b) A criação de um fundo de financiamento que permitisse aos Municípios a compra ou a congelação de todo o terreno considerado urbano ou urbanizável aos preços de tabela fixados.
Propomos ainda:
IX – Que se utilizem métodos de financiamento adequados, por forma a que os capitais dos diversos sectores sejam orientados decisivamente para a satisfação das necessidades da generalidade da população.
X – Que se ponha em prática uma política de rendas de carácter vincadamente social, adaptadas aos recursos das diferentes camadas da população e em ordem à protecção das famílias numerosas.
XI – Que estando neste momento a iniciativa privada especulativa a contribuir com a quase totalidade da construção de fogos nas zonas urbanas, torna-se moralmente imperioso que sejam tomadas as medidas indispensáveis ao controle da especulação que a envolve, para o que muito contribuirá uma actualização adequada da regulamentação dos princípios defendidos na legislação em vigor.
Ao mesmo tempo deve ser dada a justa protecção à iniciativa privada não especulativa (Previdência, cooperativa, construção pelo próprio, etc.).
XII – Que se promova o estudo da habitação económica nos seus diversos planos e se preparem rapidamente os técnicos necessários para a execução das tarefas a empreender.
XIII – Que se leve a efeito uma profunda reorganização da indústria da construção, promovendo a racionalização da produção, tanto nos métodos tradicionais como nos novos processos a introduzir.
XIV – Que se integrem os empreendimentos habitacionais no quadro de um planeamento geral do País.
XV – Finalmente:
Que, no caso de serem aprovados os princípios defendidos, seja criado um gabinete constituído por peritos em habitação, exclusivamente dedicados ao estudo do assunto, no qual seriam aprofundados os temas expostos, o que permitiria estabelecer as bases do enquadramento da habitação no plano do desenvolvimento económico e social do País.