A SUA MANEIRA DE LUTAR ERA OUTRA
Ao longo dos anos 60, a tomada de consciência de um cada vez maior número de activistas católicos, incluindo alguns padres, face à ditadura e sobretudo à guerra colonial, era refreada pela hierarquia eclesiástica, que não olhava a meios para manter o rebanho no redil do regime. Transferências de posto, exílio – quer no estrangeiro, quer no próprio país – admoestações, ameaças e mesmo represálias, combinadas com apelos à conformação e à conivência, procuravam isolar os grupos onde se ia forjando a resistência à aliança contra-natura entre um poder despótico e a mensagem evangélica. O Cardeal Cerejeira, que mandava na Igreja de Lisboa como Salazar mandava no País, não deixava passar em claro atitudes que, como dizia, “deitavam mais achas para a fogueira”, e utilizava com persuasão ou autoritarismo o poder discricionário que detinha sobre os sacerdotes.
É neste contexto que eu e a Maria Natália, já no final da década (mas antes do desastre da cadeira que vitimou o ditador) subimos uma noite ao 4º andar da avenida Casal Ribeiro. Dizia-se que o P. Alberto Neto, a exemplo de outros, alcunhados de “progressistas”, tinha sido mandado estudar para o estrangeiro. A ansiedade era grande: seria um golpe sério no processo de tomada de consciência que estava em curso contra uma guerra que, além de injusta e absurda, ofendia gravemente os princípios cristãos.
O P. Alberto Neto tranquilizou-nos; era certamente um boato: não sairia do País.
E, no entanto, Alberto Neto não era dos da primeira linha: não colaborava na informação clandestina, embora a divulgasse; nem na oposição declarada à ditadura: não havia subscrito, ao que me lembro, nenhum dos abaixo-assinados que, cada vez com maior frequência, grupos de católicos redigiam e distribuíam para manifestar o seu protesto contra um regime opressivo e policial. Mas isso nunca fora tomado como uma atitude de medo face à repressão. Significava apenas que a sua maneira de lutar era outra, e que essa outra maneira era também necessária à causa da justiça, da fraternidade e da paz: a preservação do diálogo com todos e em todas as circunstâncias, e para isso recusando as etiquetas e evitando as rupturas. Mas sabia-se de que lado estava e sabia-se que se podia contar com ele.
Por isso a capela do Rato foi escolhida para a vigília que, por ser pela Paz, o foi naquela altura contra a guerra e contra o regime; e assim logicamente interrompida pela Pide e seus cães-polícia.
A guerra colonial foi um teste para a Igreja em Portugal; uma última, nítida e prolongada oportunidade para se purificar das cumplicidades com um regime que contrariava frontalmente a doutrina que ela própria proclamava. É da História que não passou em tal teste. Mas não por causa do Padre Alberto.
PEREIRA, Nuno Teotónio. “A sua maneira de lutar era outra”. STILWELL, Peter (coord.). Padre Alberto: testemunhos de uma voz incómoda: Capela do Rato (68-73). Lisboa: Texto Editora, 1989, p. 30
Existe original impresso, out. 1988, 1 p.
ALBERTO NETO SIMÕES DIAS (1931-1987). Padre católico.
– SILVA, Fernando Gomes da. “Alberto Neto: uma vida em coerência plena” (2021)