1. Conheço o Eng. Nuno Abecasis há bastantes anos, somos da mesma geração e do mesmo meio social. No entanto, não o tenho encontrado senão episodicamente, pelo que só tenho possibilidade de me pronunciar sobre a sua pessoa a partir da sua actividade à frente da CML [Câmara Municipal de Lisboa]. Esta actividade é pública, e para mais em domínio que me toca de perto, à minha profissão e à cidade onde ambos nascemos e que nos viu crescer. Ultimamente, como presidente da AAP [Associação dos Arquitectos Portugueses] tenho tido a responsabilidade de fazer críticas a esta acção o que me obriga a seguir em particular [não legível]. É por isso que a minha apreciação faço-a como arquitecto, como dirigente da AAP e também como amante de Lisboa.
2. Há qualidades que são evidentes para quem acompanha de perto a actividade do Presidente da CML: o empenhamento, a dedicação no cargo, uma grande firmeza na afirmação das suas convicções, uma notória determinação na execução das decisões que toma, a sua isenção material, etc. (apesar de abrir o campo à especulação, que campeia).
Mas há um aspecto que julgo muito negativo na actividade do Eng.º. Abecasis na CML: é a incapacidade para o diálogo, e para através dele, estabelecer consensos acerca dos gravíssimos problemas que afectam a cidade e a vida de todos nós.
A AAP, no dever de se pronunciar sobre o património, o urbanismo, a arquitectura que se faz em Lisboa, tem feito críticas fundamentadas à acção da CM. Como recebe Nuno Abecasis essas críticas? Responde com sete pedras na mão, impossibilitando um diálogo saudável e democrático, fundado em razões e não em preconceitos ou simpatias ou antipatias pessoais. E é fácil de provar que a culpa desta situação não é da AAP. Efectivamente, não estamos sós nesta situação. A CML tem sido incapaz de dialogar com outras entidades: a AGPC, o IPPC, as Câmaras da periferia. E até no interior da própria CML.
O papel do Presidente da Câmara é estabelecer consensos, produzir convergências, porque os problemas da cidade são causas de toda a população. É preciso unir todas as forças sociais, económicas e políticas para resolver esses problemas. E quando há interesses divergentes, que os há, é preciso estabelecer compromissos, plataformas de entendimento.
O que faz o Presidente da Câmara? Acentua as divisões. A CML é das câmaras mais partidarizadas do País. E podia ser de outra maneira. Basta ver exemplos aqui ao lado, em Câmaras com representação partidária muito semelhante à de Lisboa: a de Cascais, a de Sintra. Aí todos os membros são chamados a participar.
E no diálogo com a população, através dos meios de comunicação social? Não me lembro de uma conferência de imprensa dada pelo Presidente da Câmara. Em vez disso, que é o método normal, Nuno Abecasis convida representantes dos jornais para um almoço, como ainda há pouco aconteceu, furtando-se a ser interrogado.
PEREIRA, Nuno Teotónio. “Sobre o Presidente Nuno Abecasis”. Original com notas manuscritas, 2 p.
Entrevista à Radio Renascença, jan. 1987
NUNO KRUS ABECASIS (1929-1999). Dirigente político do CDS, Presidente da Câmara Municipal de Lisboa