Arquitetura

Nuno Portas

1. Ao tomar a palavra nesta celebração para que fui convocado, há duas coisas que quero expressar em primeiro lugar: por um lado, o meu agradecimento pela pesada responsabilidade mas gratificante tarefa de que fui incumbido, de traduzir em palavras a admiração que todos temos pela obra e pela pessoa de Nuno Portas; e por outro lado, saudar a “Árvore” pelo que tem feito ao longo dos anos, entrelaçando a Arte com o Civismo, de que esta oportuna iniciativa é mais uma manifestação. Nascida no meio dos entusiasmos e esperanças em que muitos de nós comungámos nos meados do século passado, desde o início fui cúmplice dos valores e expectativas que o Cooperativismo transportava e que a “Árvore” tem defendido até hoje com persistência, imaginação e muito brio. Daí a alegria de estar neste momento no meio de vós.

2. Falar de Nuno Portas é de facto, para mim, uma pesada responsabilidade, por temer ficar aquém do que é a sua figura e do que devemos ao seu trabalho e à sua maneira de estar, de pensar e de agir. Mas é também gratificante pelo que intensamente fizemos juntos e pelo que temos aprendido um com o outro.

Foi-me dado a perceber que estas homenagens a propósito dos 150 anos de Garrett e dos 30 anos de Abril eram devidas a personalidades nadas ou vividas no Porto. Mas acontece que Nuno Portas não é do Porto – como também não é de Lisboa – dividindo no entanto a meio a sua vida activa pelas duas capitais, juntando assim o Norte ao Sul.

Nado e criado com um pé no Alentejo e outro no noroeste peninsular, Nuno Portas é de todos esses lugares e de muitos outros mais, onde tem lançado âncoras, como Madrid, Barcelona, Milão, Paris, Évora, S. Paulo, Rio de Janeiro e por aí fora. Daí talvez a abrangência do seu olhar e do seu saber, desde muito cedo abertos à reflexão crítica contemporânea nos vastos domínios que têm a ver com o seu trabalho multifacetado. Foi talvez esta abrangência que o levou a caminhar desde a Arquitectura até à Urbanística, passando entretanto pela Política, numa viagem centrada primeiro em Lisboa e mais tarde em Portogaia.

3. A primeira metade deste trajecto conheço-a eu bem, pois trabalhamos juntos em diversos campos com total cumplicidade. E posso dizer, a propósito, que, de entre os colegas que passaram pelo escritório da Rua da Alegria – alguns de comprovado e reconhecido talento – Nuno Portas foi o mais brilhante, tanto no domínio do pensamento e da concepão, como na rica capacidade criadora de formas e expressões.

Não é este o lugar para um currículo exaustivo. Mas como não falar de projectos por ele liderados e que marcaram a Arquitectura dos meados do século, sempre com o contexto urbano bem presente? E do Plano do Restelo, em que recuperou revolucionariamente o “traçado” – tema que tem explorado e desenvolvido nas últimas décadas? E do pioneiro papel da revista “Arquitectura”, em co-direcção com Carlos Duarte? E da criação e desenvolvimento do Núcleo de Arquitectura e Urbanismo do LNEC integrando estas disciplinas naquela fortaleza das Engenharias? E da produção continuada, que tem mantido pela vida fora, de relatórios de investigação e de textos críticos, abrangendo um vasto leque de matérias, acompanhadas da participação frequente e activa em colóquios, seminários, cursos e congressos? E depois, com responsabilidades governativas, da criação e dinamização do SAAL, dos GAT e dos embriões dos GTL? E ainda da fecundidade do trabalho na direcção dos “Cadernos Municipais”?

Mais tarde, depois de um “estágio” em Madrid, veio para o Porto, onde tem desenvolvido um intenso labor pedagógico, no quadro da Faculdade de Arquitectura, sempre fundado na investigação. Criou e tem dinamizado o Centro de Estudos cuja acção tem chegado a muitos pontos do País e tem assumido desde há anos a Presidência do Conselho Científico.

Sempre preocupado com o fenómeno urbano e empenhado no municipalismo nascido com o 25 de Abril, Nuno Portas entendeu fazer uma aplicação da teoria à prática, com uma passagem pela governação autárquica em V. Nova de Gaia, alargando ao mesmo tempo e diversificando constantemente os seus horizontes de trabalho. A intervenção na Universidade de Aveiro proporcionou-lhe uma demonstração, embrionária e a escala reduzida, de uam das suas máximas lapidares para o planeamento urbano: a de que “o processo também desenha”. Nos últimos anos, o Estudo feito para a Fundação Gulbenkian, com a colaboração dos professores Álvaro Domingues e João Cabral, intitulado “Políticas Urbanas – Tendências, Estratégias e Oportunidades”, atesta a sua excepcional visão e os seus profundos e vastos conhecimentos face à crescente e tantas vezes desconcertante complexidade dos processos urbanos.

4. Em matéria curricular, como se viu, muita e muita coisa ficou por dizer. Mas o que disse já seria suficiente para atestar o acerto do Júri da Cooperativa “Árvore” ao distinguir Nuno Portas.

Mas e aqui que julgo necessário acrescentar mais alguns dados a respeio da sua personalidade: a insatisfação permanente face aos objectivos alcançados, aliada a uma extraordinária capacidade de trabalho, que o levam a aprofundar sempre os estudos já desenvolvidos; a coragem em contrariar, de peito aberto, ideias feitas e conclusões simplistas ou redutoras, o que o expõe com frequência à controvérsia; a necessidade de partilhar e comunicar, abrindo constantemente frentes de debate e discussão, sacudindo a inércia das instituições e abrindo caminho a novos horizontes. Finalmente, a firmeza das suas convicções, que resulta de um confronto constante com realidades escondidas ou contraditórias, mas que se lhe impõem como norma de conduta através da profundidade do seu pensamento e dos fundamentos do seu saber.

Como temia no início desta alocução, talvez tivesse ficado aquém da grande figura que a “Árvore” decidiu hoje homenagear. Mas procurei ser objectivo nas minhas apreciações e valorações, apesar de se tratar de um companheiro de uma boa parte da grande aventura que é a vida. Seguramente, Nuno Portas é alguém de que o Porto se pode orgulhar.

PEREIRA, Nuno Teotónio. “Sobre Nuno Portas”. Original impresso, 3 p.
Alocução na sessão de homenagem a Nuno Portas na Cooperativa Árvore, Porto, 8 out. 2004

NUNO RODRIGO MARTINS PORTAS (1934- ). Arquiteto.