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Alberto Magalhães

Julgo que conheci o Nuno através do Frei Bento Domingues, no Porto, no início dos anos 60. O Frei Bento tinha-me dito: “Olha, vem aí um amigo meu de Lisboa; podes falar com ele que vocês se entendem bem”. A primeira vez que o vi, ele vinha com a Natália no VW Carocha. Apresentámo-nos, conversámos um bocado e ele disse-me que precisava de alguém de confiança no Porto para distribuir uns papéis. Eu disse-lhe: “À vontade! Estou absolutamente disponível para distribuir papelada do contra!”.

Nessa altura achei que ele era muito “velhote” (eu tinha 20 anos e ele teria 40) e “invejava” a sua autonomia (ele tinha carro e andava de Lisboa para o Porto à vontade enquanto eu tinha de usar o carro do meu pai…).

Desde então, encontrámo-nos muitas vezes e estive envolvido com o Nuno em muitas coisas (algumas já nem me recordo!). Fiquei amigo de muitos amigos dele. E vice-versa. Vinha muitas vezes a nossa casa, minha e da Maria Amália, onde procurávamos manter o contacto com os amigos comuns (Pinto de Andrade, Luisa Cabral, Maria Vitória e Zé Vaz Pato e tantos outros).

Lembro-me de uma brochura que distribuímos numa missa vespertina de sábado no Porto com “notícias” da visita do Papa Paulo VI à Índia (onde se tinha encontrado com independentistas): o panfleto “Igreja Presente”.

Estive ligado à cooperativa cultural Confronto que, à semelhança da Pragma, fundada pelo Nuno em Lisboa, foi criada no Porto. O Nuno deu força à Confronto que foi importante, sobretudo, depois do encerramento da Pragma, em 1967, pela PIDE (que viria a encerrar também a Confronto).

Foi o Nuno que me pôs em contato com alguns padres africanos, tendo conhecido através dele o Joaquim Pinto de Andrade. Fazíamos “excursões” todas as semanas com a malta da JUC e outros ao Seminário da Boa Nova, em Valadares, onde o Pinto de Andrade estava com “residência fixa”. Às vezes ia lá com a minha tia Laila, para assistir à missa que ele celebrava para 2 ou 3 pessoas (a PIDE não o deixava de ter muitos “clientes”). Acabámos por ser ambos testemunhas no julgamento do Joaquim Pinto de Andrade, como o Mário Brochado Coelho, que foi seu advogado, recorda no livro “Em Defesa de Joaquim Pinto Andrade”.

Entretanto fui viver para Lisboa. O Direito à Informação (que eu distribuíra no Porto) era impresso em casa da Maria Vitória Vaz Pato, num copiógrafo rudimentar – se andávamos com a manivela um pouco mais devagar aquilo esborratava tudo! Esse copiógrafo (ou talvez outro um pouco melhor) acabou por ir para nossa casa, onde o Direito à Informação passou a ser impresso (creio que durante uns 2 anos esteve comigo e a Maria Amália). A máquina estava guardada na despensa e quando era necessário imprimir era instalada numa mesa da sala, com uns calços de cortiça por baixo, para que os vizinhos não ouvissem o barulho (e acho que nunca perceberam…). Chegava a malta que trazia os originais e juntávamo-nos todos, a dar à manivela e a fazer cópias (talvez com demasiada falta de cuidado…). Lembro-me de o Nuno trazer um saco para levar os desperdícios (havia sempre muitas cópias que não ficavam bem) para um contentor mais distante.

Distribuíamos alguns exemplares diretamente e também fazíamos a “expansão pelo correio”. O Nuno, mais experiente, explicava que para ser-se mais discreto não se podia colocar no correio em Lisboa. Por isso, muitas vezes, saíamos de Lisboa para colocar os envelopes em vários postos de correio de cidades mais pequenas. Às vezes ia a Setúbal só para fazer as expedições. Lembro-me também de ir para o Algarve em trabalho e levar alguns exemplares que ia colocando no correio. Para não levantar suspeitas inventávamos remetentes. Recordo-me que dei uma volta pelo Porto, passei na Rua de Costa Cabral e vi que no número 69 não existia nada. Então “criei” a Tipografia Lacerda (ou qualquer nome do género) e mandei fazer um carimbo, com aquela morada.

Também me recordo de, em nossa casa, termos impresso uma publicação sobre o encerramento da Pragma. Tinha uma capa bonita esverdeada e pusemos aquilo “cá fora”, a circular clandestinamente. Depois nasceram as nossas filhas e foi necessário ter alguém que cuidava delas pelo que deixámos de ter condições de “segurança” para manter o copiógrafo em nossa casa.

Lembro-me de estar com o Nuno numa vigília, na igreja de São Domingos, em 1969. No final da missa pedimos para ficar “a rezar”. E ali ficámos, pela noite dentro, um pequeno grupo, a discutir a Guerra Colonial.

Depois do 25 de abril, estive menos com o Nuno. Ele fundou o MES – Movimento Esquerda Socialista e gostava que eu fosse militante. Vários amigos filiaram-se (Rui Aguiar Vieira, Júlio Pereira, Jorge Conceição, …), mas eu não queria pertencer a um partido. Recusei e acabei por ser apenas simpatizante (ainda estive ligado a uma pequena célula na freguesia em que residia). Julgo que, nessa altura, o Nuno ficou um pouco desiludido comigo. O MES acabou por não durar muito tempo e retomámos o contacto.

O Nuno era um militante católico muito vigoroso (diria que foi católico “até ao fim”). E eu tinha uma admiração por ele também por isso. Quando morávamos no Lumiar (anos 70) íamos à missa com o Padre Mário Teixeira, pároco do Lumiar, que era também amigo do Nuno. Lembro-me de um dia ter chegado à igreja sozinho, ao fim da tarde de um domingo. Sentei-me ao lado do Nuno e senti-me muito feliz de estar ali, ao lado dele, a rezarmos juntos.

Alberto Magalhães
Maio 2022