Nuno Teotónio Pereira em Telheiras, 2008
É com grata lembrança que recordo Nuno Teotónio Pereira. Conheci-o no CIDAC no início dos anos 1980, quando eu, regressado de Moçambique, onde fizera uma missão de cooperação, comecei a colaborar na equipa de apoio àquela jovem republica, à época ainda “popular”.
Mais tarde, eu já na direcção da ART – Associação de Residentes de Telheiras – convidámos o Nuno, Gonçalo Ribeiro Telles e Pedro Vieira de Almeida para integrarem um júri que iria avaliar propostas a um Concurso de Ideias que lançamos para resolver, melhorar, alguns espaços que no bairro ainda não tinham um arranjo satisfatório. Estes 3 grandes arquitectos aceitaram de imediato, embora Pedro Vieira de Almeida tivesse logo a seguir abandonado a ideia. Estávamos entre o final de 2007 e a Primavera de 2008.
Foram diversos e longos serões em que estes dois grandes senhores – o Nuno Teotónio Pereira e o Gonçalo Ribeiro Telles – dedicaram à avaliação cuidada duma dúzia de propostas bem gizadas e apresentadas, no geral de alunos de Arquitectura ou Design, mas um arquitecto de nomeada e já com obra feita e premiada em Telheiras também concorreu. A seriedade e detalhe com que analisaram os trabalhos concorrentes, o espírito de dedicação à arte do seu oficio, foram realmente notáveis.
Claro que a ART os escolheu conhecendo já a sua abnegação pela coisa pública – o arqtº Gonçalo Ribeiro Telles já viera diversas vezes a Telheiras lançar a ideia das hortas comunitárias – e o arqtº Nuno já tinha um longo currículo cívico de defesa de causas públicas e urbanas. E claro que sabíamos que a sua avaliação não poderia ser ignorada nem contestada, nem pela EPUL – “senhora“ do bairro – nem pela CML. Claro que o resultado foi uma notável apresentação pública dos trabalhos a concurso e do relatório final, lida pelo Nuno com a sua voz grave e pausada, seguida da inauguração dos trabalhos a concurso. O prestígio profissional e cidadão destes dois grandes homens falou por momentos mais alto do que o “deixa andar” das autoridades presentes – até o vereador na altura, arqtº Manuel Salgado – e o público que enchia o auditório da Biblioteca de Telheiras ovacionou estes dois lutadores por uma cidade melhor para as pessoas e pensada, participada, por elas!
Tudo isto foi dado, pro bono, por estes dois senhores, recompensados unicamente pelas fatias de um bom bolo de laranja que a minha sogra preparava para cada um dos serões e que os dois cavalheiros comiam regaladamente – satisfazia-os tanto que cheguei a convencer-me que eles já só vinham pela gulodice do bolo! E os serões, embora laboriosos e longos, não eram nada chatos, pois o Gonçalo Ribeiro Telles com o seu humor único e a sua boa disposição contagiante, o Nuno com a sua bonomia suave e inteligência perspicaz, o seu sentido pedagógico, tornavam estes serões em aulas de como reflectir e pensar a cidade. Foi uma experiência única.
De volta eu levava à minha sogra os muitos agradecimentos daqueles senhoras à senhora que tão bons doces lhes preparava com carinho. Era enternecedor! E foi uma lição prática de dedicação à comunidade, por um ambiente urbano, agradável, projectado pelos interessados, que estes dois grandes homens me deram a mim e a toda a equipa que acompanhou este concurso. Bem-hajam!
Guilherme Pereira
Julho de 2021