Arquitetura

João Afonso

Conhecer o Nuno, quando com vergonha lhe pedi uma entrevista a propósito de um trabalho da faculdade sobre o Congresso de 48, foi uma experiência transformadora. Essa conversa abriu o meu olhar sobre a arquitetura, sobre a disciplina e a sua prática, sobre o que para mim é verdadeiramente ser arquiteto.

Mas só em 2003 tive realmente oportunidade de conhecer o Nuno, quando organizei a exposição “Arquitetura e Cidadania: Atelier da Rua da Alegria”. É oportuno recordar que ele só aceitou que a Ordem dos Arquitetos, no âmbito do Ano Nacional da Arquitetura,  lhe prestasse essa merecida grande exposição retrospetiva partilhando-a com os seus sócios/colaboradores/ amigos/companheiros de sempre – Nuno Portas, Bartolomeu Costa Cabral, Pedro Botelho e muitos outros que lá estiveram presentes.

Foram muitos dias passados a conversar, a consultar os seus arquivos meticulosamente organizados, a abrir desenhos retirados da “metralhadora de Estalinegrado” (nome que dava aos tubos de cartão empilhados onde se guardavam dezenas de projetos feitos desde o final dos anos 40) e a revisitar muitas das suas obras – experiência partilhada com a Ana, o André e a Catarina. Oportunidade de conhecer uma obra única da arquitetura portuguesa, seja pela sua qualidade, multiplicidade, ou modelo de organização, onde o Nuno foi o esteio de continuidade ao longo de 60 anos. Mas também de compreender como foi possível manter a prática de arquitetura em paralelo com uma permanente dedicação ao associativismo, às causas sociais e intervenção política – em oposição ao regime fascista e nas primeiras décadas da nossa democracia.

Anos depois, a propósito de uma investigação também motivada pela anterior experiência, voltamos a conversar longamente, sobre arquitetura e política, agora também sobre a sua vida, partilhando comigo alegria e tristeza, contando-me feitos extraordinários, narrando atos de coragem para mim inimagináveis, com a maior simplicidade e naturalidade.

Depois, fui mantendo contacto com o Nuno, acompanhando as suas várias intervenções e causas, visitando-o de quando em vez, mas mantendo perante ele o mesmo acanhamento que sentira muitos anos antes, tanta era a admiração, respeito e gratidão – que sempre irei sentir. Não fosse ele o meu herói, humano, corajoso e pleno de fé.

Lembrar o Nuno Teotónio Pereira é uma oportunidade de pensar o futuro, de forma humana e em paz. Será sempre a palavra paz. Uma paz inconformada, tenaz, em luta por um mundo melhor. E em que a arquitetura tem um lugar.