Quatro notas breves sobre o Nuno espaçadas no tempo (1965-2007)
29 de Novembro de 1965
O Nuno e a Maria Natália Teotónio Pereira eram amigos dos meus pais. Faziam parte de um grupo de católicos progressistas que queriam mudar aquele provinciano e bolorento país em que vivíamos. A mudança devia começar pela educação, dos próprios filhos, e por isso, com outros casais de classe média decidiram associar-se como pais-sócios numa cooperativa de ensino à Rua do Poço dos Negros em Lisboa, “Os Castores” (1954-68). Foi um projeto pedagógico inovador e estimulante para muitas das crianças que por lá passaram. Porém, ao cabo de alguns anos a situação financeira da escola agravou-se e é provável que algumas divergências tenham existido entre a direção da escola e alguns pais, nomeadamente sobre o teor da educação religiosa. O que é certo é que neste dia o Nuno escreveu uma carta à Diretora a anunciar que a sua filha mais nova, Helena, sairia e deixariam de ser pais-sócios. Não podendo ir à reunião expor os motivos pediram “aos amigos Luiz e Maria Amélia Melo Breyner Pereira o favor de exporem o modo mais adequado para o fazer”. Parece-me uma prova de confiança e de amizade. Nessa altura era muito novo e mal conhecia o Nuno, mas encontrar-nos-íamos mais tarde.
27 de Abril de 1974
Vários amigos dos meus pais estavam presos em Caxias: o Nuno, a Xexão e o Luís Moita, o Francisco Pereira de Moura. Na noite de dia 26 os meus pais anunciaram que iríamos à prisão. Ao entusiasmo seguiu-se a grande frustração e o desalento, quando saiu a instrução que os mais novos (éramos cinco irmãos), o Mário e o Paulo, ficariam em casa. Não sei se foi por já não cabermos os sete no carro ou por outra razão. Sei que mais tarde, a minha mãe disse que foi a última vez que os meus pais tiveram “controle” sobre nós. Felizmente que a RTP estava lá e registou esses emotivos momentos.
Algures em 1976 ou 1977: uma volta pelo país
No Movimento de Esquerda Socialista, o Nuno fazia parte do Comité Central (CC) e eu era um jovem dirigente dos liceus do MES. Devem ter decidido que seria bom haver uma visita de membros do comité central a todas, ou quase todas as sedes, do centro e norte do país e que era interessante que fosse um representante dos estudantes. E assim fomos, na Renault 4L do Nuno, ele, o Eduardo Graça e eu. Se a memória não me falha foram cerca de 15 dias a calcorrear o país e a ser entusiasticamente recebidos pelos nossos camaradas, orgulhosos por receber dois membros do CC, em particular o Nuno que era uma referência para todos nós. Nessa viagem memorável recordo, entre muitas outras, duas coisas. Em cada sítio que parávamos, o Nuno tirava a máquina fotográfica e fotografa janelas. E mais janelas e mais janelas (que será dessas fotos?). A outra foi que adoeci, e que foram muito atenciosos comigo.
No seu Ateliê em 2007
Nos anos seguintes, volta não volta, fazia-lhe uma visita em casa no Bairro de São Miguel. Sempre senti um carinho especial do Nuno e sempre tive por ele um carinho especial. Estas coisas não se explicam, mas sentem-se. Pela ocasião do aniversário da minha mãe, desloquei-me ao ateliê onde continuava a ir (perto da Praça da Alegria) e pedi-lhe que autografasse três serigrafias do “franjinhas”, uma para a minha mãe, outra para o meu irmão Mário e outra para mim. O Nuno sacou da caneta e num ápice escreveu três, muito diferentes entre si, dirigidas a cada um. A mim presenteou-me com esta que muito me orgulha: “Para o Paulo, amigo de longa data e companheiro de ideais.”
Um saudoso abraço Nuno. Faz cá muita falta!
Paulo Trigo Pereira
Janeiro de 2022
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