Uma semana depois de cegar, em maio de 2009, reuniu a família mais próxima – Irene, sua mulher, e os três filhos – para informar detalhadamente sobre as doações do seu espólio já realizadas e para partilhar como gostaria que decorresse o seu funeral. Neste caso, explicou, estando de acordo com a cremação que se tornara a forma mais comum de enterro, isso “não era do seu tempo”. Queria ser enterrado no solo de Lisboa, sua bem-amada cidade, e à maneira do século no qual tinha vivido a maior parte da vida.
Quis a norma administrativa aplicável que fosse a enterrar no cemitério do Lumiar, o mesmo onde tinham repousado a sua mulher Natália e a sua filha Catarina. O que encerrava um significado especial, pois aí tinha também ficado o recém-nascido António Luís, filho dos grandes amigos Maria Natália e João Rebelo, acontecimento que marcou a sua vida e favoreceu a conversão ao catolicismo da Natália, que recebeu a primeira comunhão na igreja do Lumiar no mesmo ano (1956).
O dia 20 de janeiro também evocava outro acontecimento: o assassinato de Amílcar Cabral, em 1973. O “Grupo do BAC” publicou clandestinamente, em Portugal, a primeira coletânea de textos do dirigente do PAIGC.
Juntaram-se dezenas de familiares e amigos/as para a despedida, vindos de vários pontos do país, no salão paroquial da Igreja do Sagrado Coração de Jesus, em Lisboa. Ele teria gostado de partilhar os reencontros e os afetos que se entrecruzaram. A sua partida foi objeto de muitos ”Votos de Pesar” aprovados na Assembleia da República e em Câmaras e Assembleias Municipais, e de notícias, evocações e reflexões em diferentes meios de comunicação.
Um vizinho do Bairro de S. Miguel, onde morava e onde morreu, o geógrafo e investigador Aquilino Machado, contou ao Diário de Notícias (21/01/2016): “Nuno Teotónio Pereira tinha dois cães, dois fox terriers de pelo cerdoso. (…) Passavam junto ao meu prédio e percebi que se deslumbrava inúmeras vezes com as rosas que existiam nos canteiros do meu prédio. Certo dia verifiquei que alguns pés de rosas apareciam cortados e que tal acontecimento enervava muito os meus vizinhos, ao ponto de se sentirem incomodados com uma aparente displicência do jardineiro. E não é quando me deparo com um dos mais improváveis ladrões de rosas: o arquiteto Teotónio Pereira ladeado pelos seus dois fox terriers. Só sei que o aparato do plano emocionou-me, quase uma transcrição encenada de Jacques Tati, e a partir desse dia comecei a mentir intencionalmente nas reuniões de condomínio, referindo que as rosas eram cortadas por bandos de idosas beatas que pressurosamente desfilavam em direção à missa. (…)”
Um jornalista escreveu: “Costuma dizer-se que as pessoas, quando morrem, deixam um vazio. Nuno Teotónio Pereira deixou um cheio”.