PEREIRA, Nuno Teotónio. Oposição Democrática de Portalegre: comunicado ao país, 26 set. 1969, 2 p.
[Assinado por “A Comissão Democrática Eleitoral”]
Oposição Democrática de Portalegre
COMUNICADO AO PAÍS
A Oposição Democrática do Distrito de Portalegre não conseguiu organizar-e por forma a poder apresentar o processo de candidatura dentro do prazo legal estipulado. A Comissão Democrática Eleitoral sente-se responsável por este fracasso – caso único no Continente – e entende por isso necessária uma explicação aos eleitores do País.
Às autoridades administrativas não pode ser atribuída qualquer culpa pelo sucedido, pois nenhuma infracção legal lhes pode ser apontada. Mas não devem passar sem referência certas atitudes de manifesta má-vontade por parte de alguns Municípios, que estavam a passar certificados de eleitor de um dia para o outro, prazo este que, a partir de determinado momento, se estendeu até ao máximo legal; nem tampouco o facto estranho de certificados negados a eleitores conhecidos pelas suas convicções democráticas, e cujos nomes desde há muito têm sempre figurado nos cadernos eleitorais; nem ainda a arbitrária proibição de participarem na reunião de democratas do Distrito duas pessoas expressamente convidadas, com o argumento de que não estavam recenseadas pelo círculo.
Na verdade, os obstáculos encontrados pelo movimento democrático de Portalegre têm de ser procurados noutro lado.
Será então que no Distrito de Portalegre não há motivos para a formação de uma corrente da Oposição? Será que o povo não tem problemas nem luta com dificuldades ou que está satisfeito com as providências que têm sido tomadas para os resolver? Será que o regime conta com o apoio unânime da população – massas camponesas, pequenos proprietários e rendeiros, artífices, operários e empregados das vilas e cidades?
Quem conheça alguma coisa da realidade do Distrito sabe que não pode ser esta a explicação: o povo sofre privações, luta com dificuldades e por isso a emigração aparece cada vez mais como a única solução para milhares e milhares de trabalhadores.
Onde está a razão do nosso insucesso? Simplesmente nisto: o povo do Distrito de Portalegre, desde as massas trabalhadoras rurais até às reduzidas elites dos centros urbanos, está esmagado por anos e anos de implacável opressão, está derrotado pela apatia e pelo medo, está civicamente morto por um trabalho persistente de aniquilamento moral.
Ao desalento amargo de muitos antigos militantes democratas, marcados pelos estigmas da repressão, junta-se a total indiferença pelo interesse colectivo das camadas mais novas, que nunca conheceram a luta política, e junta-se ainda a irresponsabilidade de elementos mais informados, que praticam a crítica fácil à mesa do café, mas se recusam ao difícil combate por uma existência mais digna para todos.
Porque, mais do que a estagnação económica, mais do que o marasmo cultural e social, o depauperamento cívico mostra bem ao vivo a sistemática obra de demolição moral de que este Distrito e deste País têm sido objecto desde há 40 anos, e cuja eficácia se volta como terrível acusação contra aqueles mesmos que têm sido os seus responsáveis e que dela têm tirado proveito.
O Distrito de Portalegre é assim o retrato bem vivo de todo um país mergulhado na noite da ignorância, do desalento e do medo, e que ainda não conseguiu começar a romper as trevas.
No entanto, não consideramos inútil o esforço despendido na tentativa de participar na luta eleitoral, pois nos foi dado ver melhor a extensão e a profundidade dos males que pesam sobre o povo português, ao mesmo tempo que permitiu reunir um punhado de boas-vontades e entusiasmos que há-de crescer e frutificar. E uam saudação especial dirigimos daqui àqueles poucos que nunca desarmaram, ao longo de uma vida cheia de decepções, mas que não perderam a esperança.
Se nos fica efectivamente vedada a participação no processo eleitoral, nem por isso nos consideramos vencidos; a própria verificação das dificuldades encontradas mais nos empenha num trabalho necessário e urgente pela dignificação dos portugueses. A ténue centelha acesa com esta tentativa falhada não se extinguirá com ste primeiro fracasso.
A Oposição Democrática de Portalegre manifesta a sua activa solidariedade a todos os democratas que nestes dias militam nos outros distritos, em condições difíceis de desigualdade e de injustiça, e compromete-se a a continuar os esforços para que o Distrito de Portalegre não permaneça ausente, como mancha negra do País, na luta difícil mas esperançosa por um futuro melhor para todos.
O povo do Distrito de Portalegre, transitoriamente sem possibilidade de se fazer ouvir, sabe que os seus problemas são os problemas do País, e sabe por isso que a voz de toda a Oposição Democrática será a sua própria voz.
Portalegre, 26 de Setembro de 1969
A Comissão Democrática Eleitoral