Arquitetura Urbanismo

Quem mexeu nisto, antes de mim, foi o Nuno Teotónio Pereira

Patrícia Bento d’Almeida

DINÂMIA’CET – Instituto Universitário de Lisboa, patricia.bento.almeida@iscte-iul.pt

Teresa Marat-Mendes

DINÂMIA’CET – Instituto Universitário de Lisboa, teresa.marat-mendes@iscte-iul.pt

Bartolomeu Costa Cabral rompeu com o até então defendido pela historiografia portuguesa quando afirmou que “há uma pessoa que nunca trabalhou no Laboratório [Nacional de Engenharia Civil (LNEC)], mas que está por detrás de todo esse interesse pela investigação [em Arquitetura e Urbanismo], que é o arquiteto Nuno Teotónio Pereira”[1]. Efetivamente, ao longo da sua vida profissional, Teotónio Pereira desenvolveu a prática de projeto articulando diferentes esforços, frentes de trabalho e de intervenção cívica. A aproximação de Teotónio Pereira aos engenheiros-investigadores do LNEC ocorreu precocemente, particularmente aquando da construção do bairro de Alvalade, no qual participou da sua construção, tendo verificado a extraordinária capacidade de liderança dos engenheiros Eduardo Arantes e Oliveira e Manuel Rocha[2], dois dos responsáveis pela criação do LNEC (1946). Por outro lado, nessa mesma década de 1940, publicando artigos na revista Técnica[3] promovida pela Associação de Estudantes do Instituto Superior Técnico (IST), Teotónio Pereira aproxima-se igualmente de engenheiros-docentes, muitos dos quais também envolvidos no estudo laboratorial dos materiais, dos processos e da técnica da construção civil que, até à entrada em vigor da regulamentação do LNEC, ocorria no Centro de Estudos de Engenharia Civil sediado no IST. Conforme testemunhado por Teotónio Pereira e Bartolomeu Costa Cabral, “as ideias de arquitetura iam-se buscar às revistas estrangeiras, principalmente às francesas e italianas, assim como a livros”, mas também às revistas de engenharia, como a “Técnica que enfatizava precisamente a necessidade de integração entre a estrutura do edifício e a arquitetura, implicando um trabalho conjunto entre arquitetos e engenheiros desde o início do projeto”[4]. Mas foi, no entanto, em projetos de edifícios que Teotónio Pereira encontrou “as mais frequentes oportunidades de relacionamento profissional com a Engenharia Civil”[5]. Assim, a importância do LNEC na vida profissional de Teotónio Pereira entra logo por altura da criação do seu primeiro atelier, localizado na Rua Rodrigues Sampaio em Lisboa[6], particularmente aquando do desenvolvimento do projeto do Bloco das Águas Livres (com Costa Cabral, 1953-1955) e do projeto das Torres de Habitação nos Olivais-Norte (com António Pinto de Freitas e Nuno Portas, 1959-1967). Ruy Gomes, um engenheiro civil que por aquela altura era Chefe da Secção de Processos de Construção do LNEC, não só veio a elaborar uma apreciação crítica do Bloco, como foi responsável pelo projeto de estruturas das Torres. Esta “colaboração ao nível de projeto entre arquitetos e engenheiros, demarcando-se com nitidez as respetivas funções”[7], como referiu o próprio Teotónio Pereira, veio “infletir uma situação defeituosa que vinha de longe”[8] e que dificultava o relacionamento (e o posicionamento) entre as duas profissões. A “apreciação crítica do Bloco das Águas Livres”[9] foi publicada na revista Arquitectura[10] – entre outros (cinco) artigos da sua autoria, resultantes da “demorada interação com os arquitetos com que trabalhou”[11]. Importa lembrar que a direção e redação da revista Arquitectura contava, desde 1958, com a colaboração do “jovem e fogoso”[12] Nuno Portas[13], que acabava de entrar no atelier de Teotónio Pereira (1957), agora localizado na Rua da Alegria Nº 61. Na opinião de Nuno Portas, para Ruy Gomes o domínio da construção “não estava na relação corporativa entre arquitetos e engenheiros – questão mal politizada na época – mas na relação disciplinar, muito mais difícil de solucionar na prática, entre arquitetura e construção”[14]. Assim, a relação profissional e depois também pessoal estabelecida entre Nuno Teotónio Pereira, Nuno Portas e Ruy Gomes, conduziu a um frutuoso triângulo relacional que, numa primeira fase, potencia visitas de estudo[15] e, posteriormente, promove a criação de um importante centro de investigação científica em Arquitetura e Urbanismo, no LNEC.

A ideia de se criar um organismo que apoiasse a política da habitação e do urbanismo, circulava entre a classe dos arquitetos e, em particular, entre as “lutas” de Teotónio Pereira[16], que “andava atrás do Ruy Gomes para o convencer a fazer uma divisão onde só entrassem as questões de construção, mas também as de conceção”[17]. Logo no I Colóquio Sobre o Problema da Habitação: Aspetos Sociais na Conceção do Habitat, realizado em fevereiro de 1960 – com Nuno Portas e Bartolomeu Costa Cabral na comissão organizadora[18] –, Teotónio Pereira enalteceu o testemunho de Paul-Henry Chombart de Lauwe. Convidado por Nuno Portas e a discursar pela primeira vez em Portugal, o sociólogo francês – que na altura ocupava o cargo de Diretor do Grupo de Etnologia Social no Centre Scientifique et Technique du Bâtiment em Paris – alertou para a responsabilidade do arquiteto na interpretação dos espaços que projeta e evidenciou a necessidade de se partilhar o conhecimento adquirido com outros colegas e entidades ligadas aos problemas do habitat, demonstrando, mais uma vez e na linha do defendido por Teotónio Pereira, a necessidade de se criar um “Instituto de Habitação e Urbanismo”[19]. Ora, consequente deste Colóquio, em outubro de 1961, foi criado o Grupo de Coordenação de Estudos de Habitação (GCEH) que juntou diversos organismos públicos – entre os quais o LNEC e Habitações Económicas da Federação de Caixas de Previdência[20] (HE-FCP) – e que se destinava, precisamente, a aprofundar os conhecimentos técnicos e sociais relacionados com a habitação. Este foi provavelmente o primeiro grande esforço de um conjunto de especialistas, com diferentes formações, para procurar, no diálogo e no intercâmbio de informações, possíveis soluções para os problemas da habitação em Portugal – Teotónio Pereira, Nuno Portas e Ruy Gomes estavam entre estes especialistas.

A participação prévia de Nuno Teotónio Pereira no Inquérito à Arquitectura Regional (1955-1960) – uma iniciativa do Sindicato Nacional de Arquitetos (SNA) – havia revelado entre a classe a oportunidade de se investigar, organizada e sistematicamente, o tema da Habitação. Como referiu o próprio Teotónio Pereira, o “Inquérito trouxe elementos que enriqueceram a arquitetura da habitação social que se projetava à época. Em alguns países havia uniformização dos bairros. Para nós era importante que não fosse uniforme, que tivesse características modernas, que tivesse em conta o território”[21]. Denota-se assim uma cumplicidade entre arquitetos, instituições e temas comuns de investigação, que acabam por ser também tratados no próprio LNEC.

Desde a sua fundação que, para o exterior, o LNEC representava o saber científico e tecnológico no campo da Engenharia. Chegou mesmo a ser apelidado por Nuno Portas de “santuário dos engenheiros”[22]. Mas a partir do momento em que o engenheiro Manuel Rocha ocupa o cargo de Diretor[23] (1954-1974) e o seu esforço se centra na implementação da primeira Lei Orgânica do Laboratório[24] (1961) que os domínios de ação das diversas unidades orgânicas começam a ser redefinidos, permitindo o alargamento da atividade do LNEC a outros campos de investigação, designadamente ao estudo da Arquitetura e do Urbanismo. Assim, foi na Divisão de Construção e Habitação (DCH) do Departamento de Edifícios e Pontes que, por aquela altura, foi impulsionada a investigação centrada nos domínios da construção de edifícios, mas também da sua conceção. A representar o LNEC no GCEH estavam Ruy Gomes e Nuno Portas. O primeiro enquanto chefe da DCH e o segundo enquanto secretário do GCEH, mas também, a partir de 1962, enquanto arquiteto daquela divisão técnica, em acumulação com o trabalho que desenvolvia no atelier da Rua da Alegria, na revista Arquitectura e na Escola de Belas Artes de Lisboa, onde foi professor entre 1964 e 1969. Teotónio Pereira aparece no GCEH enquanto arquiteto-consultor do gabinete de estudos da HE-FCP. Ao lado de Teotónio Pereira surge Costa Cabral[25], que naquela altura também colaborava naquela instituição (1959-1968) mas que, antes disso, havia sido convidado por Teotónio Pereira para colaborar no atelier, acabando por com ele formar sociedade[26] (1950-1958), “tecendo, ao longo da vida, profundos laços de amizade e de trabalho”[27]. No conjunto dos organismos presentes, verificamos que ao LNEC cabiam sobretudo funções de investigação. O delegado do LNEC chegou mesmo a indicar “a possibilidade de informar as outras entidades participantes sobre a existência bibliográfica, fornecimento de ficheiros e processo de dar conhecimento regular da sua atualização nos domínios que interessem ao habitat”[28]. Como nos lembrou o arquiteto Alexandre Alves Costa, naquela altura, o LNEC era:

“Uma espécie de paraíso num Portugal ruralista e reacionário, aquilo era outro mundo, e isso também era uma coisa que me entusiasmava, porque estava a entrar no Laboratório e estava a entrar na Europa, com um computador… enfim, e com uma bibliografia muito boa. O [Nuno] Portas tinha essa bibliografia toda claríssima e tudo o que o [Nuno] Portas encomendava, era encomendado, e vinha para o Laboratório. Portanto nós trabalhávamos com base numa bibliografia internacional muito atualizada”[29].

Apesar da ambiciosa pretensão, o trabalho do GCEH revelou-se pouco operativo. Os técnicos não tinham autoridade e poder de decisão administrativa, tendo-se verificado uma “tendência generalizada para iniciar todos os campos do estudo com os próprios quadros internos em lugar de fazer confiança na atribuição de alguns desses campos a outros organismos já apetrechados para os desenvolver”[30]. Todavia, dado o panorama opressivo que o regime salazarista impunha, no sentido de melhor se conhecer como se atuava lá fora perante problemas comuns, a operatividade do GCEH veio reforçar a importância de se manterem os contactos entretanto estabelecidos com entidades estrangeiras[31] e a real necessidade de se formar uma equipa de investigação forte e capaz de dar continuidade à pesquisa da perceção e do uso dos espaços de um modo sistemático. Interessado no trabalho que esta possível equipa poderia levar a cabo, designadamente por este se revelar particularmente importante para apoiar a prática de projeto no (terceiro) atelier da Rua da Alegria (Nº 25, 3º), Teotónio Pereira terá sugerido o nome de Nuno Portas a Ruy Gomes para o auxiliar na escolha de arquitetos, possíveis investigadores, que formariam um novo grupo de trabalho na DCH. Como afirmou o próprio Nuno Portas:

“Parece-me que foi o Teotónio que me tinha impingido para o Ruy Gomes. (…) Portanto eu acho que indiretamente foi o Teotónio Pereira que me meteu no LNEC”[32].

Naturalmente, Ruy Gomes reconhece em Nuno Portas a sua capacidade para congregar esforços e estabelecer os indispensáveis contactos nacionais e internacionais, convidando-o, em 1962, a entrar naquela “fortaleza das Engenharias”[33] e a constituir a tão necessária equipa para o estudo da Arquitetura e do Urbanismo. Expectavelmente, da Rua da Alegria e da Escola de Belas Artes de Lisboa saíram jovens arquitetos para colaborar no LNEC, mas, mais tarde, do LNEC também saíram arquitetos-investigadores para colaborar no atelier da Rua da Alegria, colocando em prática aquilo que tinham investigado[34]. Como relatou Nuno Portas, “a gente ‘roubava’ ao atelier as pessoas para levá-las para o LNEC – ninguém reclamou”[35]. António Reis Cabrita, Gonçalo Byrne, Helena Roseta, Manuela Fazenda e Maria da Luz Valente Pereira foram os arquitetos que, logo numa primeira fase, protagonizaram estas mudanças de posto de trabalho entre o LNEC e o atelier da Rua da Alegria ou a Escola de Belas Artes. Atribuindo graus semelhantes aos académicos[36], o LNEC procurava aliciar jovens licenciados a ali construírem uma carreira de investigação, não obstante, Teotónio Pereira e Nuno Portas também os recebiam no seu atelier se essa não fosse a sua verdadeira vocação. Manuela Fazenda e Gonçalo Byrne testemunham bem isso mesmo:

“Eu estava a fazer o curso e estava no LNEC e, quando acabei o curso, o Nuno Portas disse ‘se queres seguir carreira de investigação, ficas aqui bem, mas se não queres vais para a Rua da Alegria’”[37].

“Sobre a minha entrada no LNEC, foi uma tarefa temporária, nunca entrei para o quadro do LNEC – nem sequer estava muito interessado. Quando já estava na segunda metade desta tarefa [– o desenvolvimento do trabalho de investigação intitulado Coordenação Dimensional Modular], o Nuno Portas perguntou-me se eu queria ir trabalhar para o atelier dele e isso para mim foi uma ‘prenda caída do céu’”[38].

A partir de 1967, “vencidas difíceis barreiras, através duma tarefa insistente de consciencialização da importância e interesse da investigação nos domínios da atividade da construção de edifícios”[39], foi possível também formalizar um sistema de colaboração entre o LNEC e outras entidades, entre as quais os Ministérios das Corporações – através da HE-FCP – e das Obras Públicas. A colaboração entre o LNEC e a HE-FCP proporcionou, por exemplo, a deslocação (por seis meses) de Costa Cabral (1967), que ali veio a desenvolver a tarefa de analisar a organização do fogo, trabalho de investigação publicado pelo LNEC em 1968[40].

Em novembro de 1969, Nuno Portas é promovido dentro do LNEC, passando a chefiar uma nova divisão técnica, a Divisão de Arquitectura (DA) do Departamento de Edifícios e Pontes. Agora, com o apoio financeiro entretanto facultado pela FCP e por diversos organismos dos Ministérios das Obras Públicas e do Ultramar, reuniam-se ali as condições necessárias para se desenvolverem os primeiros planos de investigação programada[41]. Na DA vão ser aprofundados temas relacionados com o “Planeamento de Estudos no Domínio dos Edifícios”, ficando a DCH com os programas previamente estabelecidos, o “Plano de Estudos para Habitações Económicas – Federação de Caixas de Previdência (Plano LNEC/HE-FCP)” e o “Programa de Estudos sobre Planeamento e Construção de Edifícios”[42]. Como convinha, os resultados destes trabalhos de investigação serviram de fundamento teórico a muitos dos projetos levados a cabo por arquitetos-investigadores do LNEC que, em simultâneo ou à posteriori, exerceram a prática profissional. Representativo disso mesmo são, por exemplo, alguns dos trabalhos conduzidos no atelier da Rua da Alegria, como o Plano de Pormenor do Restelo[43] (1970-1984) ou o Conjunto Habitacional Pantera Cor-de-Rosa (1971-1979). O primeiro, desenvolvido por Nuno Portas, Nuno Teotónio Pereira, João Paciência e Pedro Viana Botelho, contou ainda com a colaboração de Manuela Fazenda, que em 1971 sai do LNEC para trabalhar no atelier da Rua da Alegria:

“Quando acabei o curso e saí do LNEC, fui trabalhar para a Rua da Alegria, para o atelier do Nuno Teotónio Pereira e do Nuno Portas, no projeto do Bairro do Restelo. Aí também foram vertidas algumas das conclusões que foram tiradas no âmbito da investigação”[44].

A solução urbana apresentada revela influência do trabalho de pesquisa desenvolvido por Leslie Martin e Lionel March que, no Centre for Land Use and Built Form Studies da Universidade de Cambridge, trabalharam as questões da densidade e da forma urbana. Naturalmente, a existência deste centro não escapou a Nuno Portas[45]. Os trabalhos e metodologias de pesquisa ali desenvolvidos revelaram-se fundamentais para a boa condução das investigações que se seguiram no LNEC, nomeadamente para a pesquisa levada a cabo por Costa Cabral, Racionalização de soluções de organização de fogos[46], e por Nuno Portas, Funções e exigências de áreas da habitação[47]. Estas obras de referência serviram de apoio ao desenvolvimento do projeto do Restelo, onde se pretendeu explorar a alta densidade com baixa altura, em oposição ao que até então se havia feito na zona norte deste território[48].

Outro exemplo dessa aplicabilidade da investigação científica na atividade de projeto é o conjunto habitacional vulgarmente conhecido por Pantera Cor-de-Rosa (1971-1979), desenvolvido por António Reis Cabrita e Gonçalo Byrne no atelier de Teotónio Pereira – que, entretanto, havia sido preso pela PIDE, dificultando um maior envolvimento no projeto e uma maior autonomia dos arquitetos. Como referiu Gonçalo Byrne:

“Esse projeto foi uma espécie de projeto estruturado de acordo com as regras do PCO [Projeto de Comunicação à Obra], e isso foi um trabalho extremamente interessante porque foi o cruzamento entre uma atividade que se fazia num departamento de investigação no LNEC e um caso de estudo que se desenvolvia no atelier do Nuno Teotónio Pereira. (…) O projeto da Pantera Cor-de-Rosa começa em 71, e nós, nas fases preliminares, já estávamos a utilizar, de um lado a informação que eu trazia da Coordenação [Dimensional Modular], por causa dos módulos das estruturas, a modulação em planimetria e a modulação em corte, em altimetria. Embora fosse ainda numa fase de estudo prévio, já estávamos a seguir algumas grelhas que vinham também do Processo de Comunicação à Obra”[49].

Ora, o trabalho intitulado Projeto de Comunicação à Obra[50], desenvolvido por António Reis Cabrita no LNEC, tratou “o projeto como conceção e o projeto como comunicação a quem o executa na obra”[51], na procura do controlo de custos. Já o trabalho Coordenação Dimensional Modular[52], desenvolvido por Gonçalo Byrne também no LNEC, centrou-se no estudo das dimensões preferenciais e das famílias de dimensões no âmbito da racionalização da construção. Os resultados destes dois trabalhos de pesquisa revelaram-se aqui de extrema utilidade porque, tratando-se de um projeto de habitação social, era necessário ir ao encontro da economia de custos de construção.

Enquanto fervoroso militante antifascista e profissional preocupado com o reconhecimento do papel do arquiteto na sociedade portuguesa, no atelier da Rua da Alegria, Teotónio Pereira (e Nuno Portas), ao lado dos seus colaboradores, promoveu diversos encontros entre personalidades e ativistas, entre os quais arquitetos que vieram a participar no Encontro Nacional de Arquitetos (ENA, 1969), integraram o Grupo de Intervenção no Meio Urbano[53] (GRIMU) e/ou envolveram-se na direção do Sindicato Nacional dos Arquitetos, em busca de uma participação mais ativa na resolução dos problemas urbanos e das condições de habitabilidade. Helena Roseta, sobre a sua passagem pelo atelier da Rua da Alegria, recorda:

“Lembro-me das pessoas, lembro-me de ir para lá, lembro-me do meu posto de trabalho, lembro-me do cartaz que havia na entrada – que dizia: ‘mas a la izquierda’, como a seta para nós viramos para a esquerda –, lembro-me das discussões que tínhamos sobre política, lembro-me que passávamos a vida a recolher assinaturas porque o [Nuno] Teotónio [Pereira] estava sempre preso e era preciso ter abaixo-assinados. Basicamente o que eu fiz no atelier da Rua da Alegria foi ativismo. Arquitetura não fiz nada”[54].

No SNA – a partir de 1978 Associação Nacional dos Arquitetos – Teotónio Pereira revelou igualmente a sua influência ou poder de persuasão para promover, direta ou indiretamente, a colaboração de alguns arquitetos-investigadores do LNEC – com ou sem passagem pela Rua da Alegria – naquela coletividade. Como nos lembra José Aguiar:

“Toda esta geração, desde o Nuno Portas, ao [António] Reis Cabrita – e até eu quando surjo na Ordem dos Arquitetos – surge pela mão do Nuno Teotónio Pereira, que me mandou um cartãozinho a convidar”[55].

Teotónio Pereira foi membro dos corpos sociais do SNA (1960-1962) e apesar de ter participado nas eleições de 1966, foi impedido pela PIDE de exercer funções. Em 1968, Teotónio Pereira, Costa Cabral e Francisco Silva Dias[56] integraram a única lista candidata à presidência. Funções de chefia foram assumidas por Teotónio Pereira somente alguns anos após o 25 de Abril de 1974, designadamente em 1984-1986, na primeira eleição direta para os Órgãos Nacionais da Associação de Arquitetos Portugueses[57] (AAP), e na eleição seguinte, em 1987-1989. A AAP procurava “afirmar, no seio da sociedade portuguesa, a importância da Arquitetura como arte cívica de elevado alcance económico, social e cultural”[58], para essa afirmação Teotónio Pereira contou com arquitetos-investigadores do LNEC, que no Jornal Arquitectos publicaram importantes textos sobre o exercício da profissão e a importância da investigação na prática profissional do arquiteto[59]. Assim, fazendo uso das palavras de Nuno Portas, podemos efetivamente dizer que:

“Quem mexeu nisto, antes de mim, foi o Nuno Teotónio [Pereira] porque ele próprio tinha a ideia de que a arquitectura era feita de muitas ligações”[60]

Financiamento:

O ensaio aqui apresentado surge no âmbito de um projeto de investigação de pós-doutoramento, intitulado “O LNEC e a História da Investigação em Arquitetura” (SFRH/BPD/117167/2016), financiado pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT) através do programa de financiamento FSE.

Agradecimentos:

As autoras agradecem a Alexandre Alves Costa, Bartolomeu Costa Cabral, Gonçalo Byrne, Helena Roseta, José Aguiar, Manuela Fazenda e Nuno Portas as entrevistas concedidas e/ou as palestras proferidas no âmbito da investigação para o projeto de pós-doutoramento intitulado “O LNEC e a História da Investigação em Arquitectura” (SFRH/BPD/117167/2016). As autoras agradecem também ao Laboratório Nacional de Engenharia Civil pela permissão para aceder aos seus arquivos e documentação arquivada no âmbito do referido projeto de pós-doutoramento. As autoras agradecem ainda a Nuno Teotónio Pereira a entrevista concedida no âmbito da discussão do tema do Habitat Rural.

  1. Entrevista a Bartolomeu Costa Cabral por Patrícia Bento d’Almeida efetuada no âmbito do projeto de pós-doutoramento “O LNEC e a História da Investigação em Arquitetura”, Rua da Alegria 25, Lisboa, 2 de outubro de 2017.
  2. Nuno Teotónio Pereira (2004) “Engenheiros e Arquitetos nos meados de Século: Um testemunho pessoal” In Manuel Heitor, José Maria Brandão de Brito, Maria Fernanda Rollo (coord.), Momentos de Inovação e Engenharia em Portugal no Século XX. Lisboa: Dom Quixote, Centro de Estudos em Inovação, Tecnologia e Políticas de Desenvolvimento do Instituto Superior Técnico.
  3. Nomeadamente: Nº 138 (maio 1943); Nº 142 (dezembro 1943); Nº 143 (janeiro 1944); Nº 144 (fevereiro 1944); Nº 145 (março 1944); Nº 138 (maio 1943); Nº 142 (dezembro 1943); e Nº 143 (janeiro 1944).
  4. Entrevista a Nuno Teotónio Pereira por Teresa Marat-Mendes e Maria Amélia Cabrita efetuada no âmbito da temática das origens da Morfologia Urbana em Portugal e o Inquérito à Arquitetura Popular, Lisboa, 31 de maio de 2013. Estiveram também presentes nesta entrevista Irene Buarque, Bartolomeu Costa Cabral e o seu filho, António Costa Cabral. Esta entrevista contribuiu ainda para a discussão de tópicos incluídos em: Teresa Marat-Mendes e Maria Amélia Cabrita (2015) “A Morfologia Urbana na Arquitectura em Portugal. Notas sobre uma abordagem tipo-morfológica” In Vítor Oliveira, Teresa Marat-Mendes e Paulo Pinho (coord.), O Estudo da Forma Urbana em Portugal. Porto: U.Porto Edições.
  5. Nuno Teotónio Pereira (2004) “Engenheiros e Arquitetos nos meados de Século: Um testemunho pessoal” In Manuel Heitor, José Maria Brandão de Brito, Maria Fernanda Rollo (coord.), Momentos de Inovação e Engenharia em Portugal no Século XX. Lisboa: Dom Quixote, Centro de Estudos em Inovação, Tecnologia e Políticas de Desenvolvimento do Instituto Superior Técnico.
  6. Com os arquitetos Raúl Chorão Ramalho, Alzina de Menezes e Manuel Tainha, e os engenheiros Ernesto Borges e José de Lucena.
  7. Nuno Teotónio Pereira (25/01/1994) “Engenheiros e arquitectos: o fim de um conflito”, Público.
  8. Idem.
  9. Ruy Gomes (1959) “Apreciação crítica do Bloco das Águas Livres”, Arquitectura 65 (junho), p. 23-30.
  10. E mais tarde também difundida pelo LNEC. Ver Ruy Gomes (1960) O Bloco das Águas Livres. Apreciação crítica de edifícios. Memória 153. Lisboa: LNEC.
  11. Portas, N. (1985) “Rui Gomes engenheiro da construção”, Jornal Arquitectos 40/41 (novembro), pp. 3.
  12. Nuno Teotónio Pereira (2004) “Um testemunho pessoal”, In Ana Tostões (coord.), Arquitectura e Cidadania. Atelier Nuno Teotónio Pereira, Lisboa: Centro Cultural de Belém, pp. 46.
  13. Patrícia Bento d’Almeida, Teresa Marat-Mendes, e Michel Toussaint (2019) “A publicação da investigação científica produzida no LNEC nas revistas Arquitectura, Binário e Técnica.” Cidades: Comunidades e Território 39: 174-91. DOI: 10.15847/citiescommunitiesterritories.dec2019.039.art08 UID/SOC/03126/2013.
  14. Nuno Portas (1985) “Rui Gomes engenheiro da construção”, Jornal Arquitectos 40/41 (novembro), p.3
  15. Nomeadamente aos bairros da INA-Casa, em Itália (1956-1957). Ver Mariana Rodrigues de Carvalho (2012) “Investigação em Arquitectura. O Contributo de Nuno Portas no LNEC 1963-1974”. Tese de Mestrado, Universidade de Coimbra, p. 283.
  16. Nuno Teotónio Pereira (1996) Escritos (1947-1996, seleção). Porto: FAUP; e Sindicato Nacional dos Arquitectos (1960) “I Colóquio organizado pelo S.N.A. sobre temas habitacionais: Aspectos Sociais na Concepção do Habitat”, Arquitectura 67.
  17. Ver Mariana Rodrigues de Carvalho (2012) “Investigação em Arquitectura. O Contributo de Nuno Portas no LNEC 1963-1974”. Tese de Mestrado, Universidade de Coimbra, p. 283.
  18. Com Inácio Peres Fernandes, Rui Mendes Paula, Raúl Ramalho, Octávio Filgueiras e Coutinho Raposo.
  19. Nuno Teotónio Pereira (1996) Escritos (1947-1996, seleção). Porto: FAUP; e Sindicato Nacional dos Arquitectos (1960) “I Colóquio organizado pelo S.N.A. sobre temas habitacionais: Aspectos Sociais na Concepção do Habitat”, Arquitectura 67.
  20. Para além da Direção Geral dos Serviços de Urbanização (DGSU); Gabinete Técnico da Habitação da Câmara Municipal de Lisboa (GTH-CML); Direcção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais (DGEMN); Junta de Colonização Interna (JCI); Câmara Municipal do Porto; Comissão Administrativa das Novas Instalações para as Forças Armadas.
  21. Entrevista a Nuno Teotónio Pereira por Teresa Marat-Mendes e Maria Amélia Cabrita efetuada no âmbito da temática das origens da Morfologia Urbana em Portugal e o Inquérito à Arquitetura Popular, Lisboa, 31 de maio de 2013.
  22. José Lamas e José Manuel Fernandes (1979) “Nuno Portas: entrevista”. Arquitectura (135), p. 56-67.
  23. Diretor Interino 1954-1967 e Diretor 1968-1974.
  24. Decreto-Lei Nº 43.825, 27 de julho de 1961.
  25. Para além dos arquitetos Jorge Silva, João Matoso, Braúla Reis e Jorge Viana, do engenheiro Gastão Ricou e o Dr. Carlos Augusto de Almeida.
  26. À qual se veio juntar Nuno Portas (em 1957).
  27. Nuno Teotónio Pereira (2011) “O Bartolomeu”.
  28. Nuno Portas e Ruy Gomes (1963) Grupo de Coordenação de Estudos de Habitação. Relatório do Secretariado: período de 1961-1962. Lisboa: LNEC, p. 3 (Acta da 4ª Reunião).
  29. Entrevista a Alexandre Alves Costa por Patrícia Bento d’Almeida efetuada no âmbito do projeto de pós-doutoramento “O LNEC e a História da Investigação em Arquitetura”, Rua 15 de Novembro Nº 61, Porto, 20 de julho de 2018.
  30. Nuno Portas e Ruy Gomes (1963) Grupo de Coordenação de Estudos de Habitação. Relatório do Secretariado: período de 1961-1962. Lisboa: LNEC, p. 2.
  31. Designadamente, em Itália, com o Istituto Nazionale delle Assicurazioni (INA-Casa) e, em França, com Habitation à Loyer Modéré (HLM) e o Centre Scientifique et Technique du Bâtiment (CSTB).
  32. Ver Mariana Rodrigues de Carvalho (2012) “Investigação em Arquitectura. O Contributo de Nuno Portas no LNEC 1963-1974”. Tese de Mestrado, Universidade de Coimbra, p. 283.
  33. Nuno Teotónio Pereira (2004) “Nuno Portas”, texto de homenagem a Nuno Portas, Cooperativa Árvore, Porto.
  34. Patrícia Bento d’Almeida, Teresa Marat-Mendes e Michel Toussaint (2020) “Portugal’s Rising Research in Architecture and Urbanism: The influence of international research centers and authors”, Journal of Urban History, November (OnlineFirst), 1-28. DOI: 10.1177/0096144220968078.
  35. Nuno Portas, I Ciclo de Palestras: Investigar Arquitectura e Urbanismo no Laboratório Nacional de Engenharia Civil, Iscte – Instituto Universitário de Lisboa, 24 de outubro 2018.
  36. José Vasconcelos Paiva (2013) Manuel Rocha e o LNEC. Lisboa: LNEC.
  37. Entrevista a Manuela Fazenda por Patrícia Bento d’Almeida efetuada no âmbito do projeto de pós-doutoramento “O LNEC e a História da Investigação em Arquitetura”, Iscte – Instituto Universitário de Lisboa, 3 de outubro de 2017.
  38. Entrevista a Gonçalo Byrne por Patrícia Bento d’Almeida efetuada no âmbito do projeto de pós-doutoramento “O LNEC e a História da Investigação em Arquitetura”, Rua da Escola Politécnica, Lisboa, 19 de outubro de 2017.
  39. Ruy José Gomes (1969) Planeamento de estudos no domínio dos edifícios: anos de 1969 – 1970. Lisboa: LNEC, p. 1.
  40. Bartolomeu Costa Cabral (1968) Racionalização de soluções de organização de fogos: Formas de agrupamentos da habitação. Lisboa: LNEC.
  41. Manuel Rocha (1971) Relatório sumário da atividade do Laboratório Nacional de Engenharia Civil. Lisboa: LNEC, pp. 27.
  42. Idem.
  43. Patrícia Bento d’Almeida (2015) Bairro(s) do Restelo. Panorama Urbanístico e Arquitetónico, Lisboa: Caleidoscópio Edição.
  44. Entrevista a Manuela Fazenda por Patrícia Bento d’Almeida efetuada no âmbito do projeto de pós-doutoramento “O LNEC e a História da Investigação em Arquitetura”, Iscte – Instituto Universitário de Lisboa, 3 de outubro de 2017.
  45. Mário Kruguer (2005) Leslie Martin e a Escola de Cambridge. Coimbra: EDARC-Departamento de Arquitectura da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade, p. 12.
  46. Bartolomeu Costa Cabral (1968) Racionalização de soluções de organização de fogos: Formas de agrupamentos da habitação. Lisboa: LNEC.
  47. Nuno Portas (1969) Funções e exigências de áreas da habitação, Lisboa: LNEC, Informação Técnica 4.
  48. Patrícia Bento d’Almeida e Teresa Marat-Mendes (2018) “O estudo do ‘Território ‘ e da ‘Morfologia Urbana’ no Laboratório Nacional de Engenharia Civil (1962-1974)”, Revista de Morfologia Urbana, Volume 6, Nº2. https://doi.org/10.47235/rmu.v6i2.13
  49. Entrevista a Gonçalo Byrne por Patrícia Bento d’Almeida efetuada no âmbito do projeto de pós-doutoramento “O LNEC e a História da Investigação em Arquitetura”, Rua da Escola Politécnica, Lisboa, 19 de outubro de 2017.
  50. António Reis Cabrita e Nuno Portas (1972) Organização de projetos de edifícios: Método e modelo do projeto de comunicação à obra (PCO). Lisboa: LNEC.
  51. Entrevista a Gonçalo Byrne por Patrícia Bento d’Almeida efetuada no âmbito do projeto de pós-doutoramento “O LNEC e a História da Investigação em Arquitetura”, Rua da Escola Politécnica, Lisboa, 19 de outubro de 2017.
  52. Gonçalo Byrne e Nuno Portas (1970) Racionalização do Processo de Projecto – Coordenação Dimensional Modular. Lisboa: LNEC.
  53. Inicialmente denominado de Grupo de Intervenção para o Desenvolvimento Urbano (GIDU) e composto por arquitetos, arquitetos estagiários, estudantes de arquitetura, engenheiros e assistentes sociais, ver José António Bandeirinha (2010) “O Encontro Nacional de Arquitectos em 1969. A reprodução das tensões sociais, culturais e políticas no âmbito profissional da arquitectura”, Revista Crítica de Ciências Sociais 91, p. 22.
  54. Helena Roseta (4/12/2019) Comunicação proferida no II Ciclo de Palestras: Depois de Abril de 1974, o que mudou na Investigação em Arquitectura & Urbanismo desenvolvida no LNEC? Iscte – Instituto Universitário de Lisboa.
  55. José Aguiar (13/11/2019) “O LNEC (eu) e as diversas gerações da reabilitação, ou bases para uma autobiografia científica” Comunicação proferida no II Ciclo de Palestras: Depois de Abril de 1974, o que mudou na Investigação em Arquitectura & Urbanismo desenvolvida no LNEC? Iscte – Instituto Universitário de Lisboa.
  56. Carlos Ramos, Carlos Roxo e Raul Cerejeiro (Mesa da Assembleia Geral), Bartolomeu da Costa Cabral, Francisco Silva Dias, Manuel Moreira, Luís Vassalo Rosa e Nuno Teotónio Pereira (Conselho Disciplinar), António Carvalho, José Santa-Rita Fernandes e Leopoldo de Almeida (Comissão Revisora de Contas), Diogo Lino Pimentel, Guilherme Câncio Martins, José Tello Pacheco e Mário Jorge Bruxelas (Direção). Ver Anónimo (1969) “Eleições no Sindicato Nacional dos Arquitectos”, Arquitectura 107, pp. 34.
  57. Tendo como proponentes, entre tantos outros, Alexandre Alves Costa, Bartolomeu Costa Cabral, Fernando Gonçalves, Francisco Silva Dias e Manuela Fazenda. Ver Anónimo (1984) “Espaço AAP”, Jornal Arquitectos 30 (outubro), pp. 5.
  58. Nuno Teotónio Pereira (nov. 1987) “A AAP confia no talento no entusiamo e no saber dos arquitetos”, Jornal Arquitectos 61, pp. 5.
  59. Patrícia Bento d’Almeida, Teresa Marat-Mendes e Michel Toussaint (2021) “A investigação na prática profissional do arquiteto”, Cidades: Comunidades e Território Nº 42 (dezembro). https://doi.org/ 10.15847/cct.25086.
  60. Nuno Portas (24/10/2018) Comunicação proferida no I Ciclo de Palestras: Investigar Arquitectura e Urbanismo no Laboratório Nacional de Engenharia Civil, Iscte – Instituto Universitário de Lisboa.

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