PEREIRA, Nuno Teotónio. “Habitação colectiva: pluri-familiar: agrupada”. Original impresso, 4 p.
Comunicação em Conferência promovida pela Universidade Autónoma de Lisboa, 2 jun. 2004
HABITAÇÃO COLECTIVA: PLURI-FAMILIAR: AGRUPADA
A chamada Habitação Colectiva ou Pluri-familiar pode assumir diversas tipologias e densidades que são exemplificadas por variadas formas de agrupamento projectadas ao longo da 2ª metade do século XX pelo nosso atelier. As diferentes soluções arquitectónicas, em que predomina a habitação social mas incluem também empreendimentos privados ou cooperativos, mostram que a intensidade do uso colectivo não depende tanto das formas de agrupamento – blocos, torres, bandas – mas da incorporação no projecto de espaços ou serviços comuns previstos nos respectivos programas ou presentes nas intenções dos projectistas. Dos exemplos apresentados dá-se especial relevo aos dois mais recentes, construídos pelo município de Oeiras e que foram premiados pelo Instituto Nacional de Habitação.
O termo “habitação colectiva”, muito usado, talvez inapropriadamente, pelo Movimento Moderno em inovadores e por vezes panfletários projectos nos anos 20/40, deveria com rigor aplicar-se a edifícios destinados a alojar colectividades ou conjuntos de pessoas a viver em comum. É o caso de internatos, conventos, quartéis, pensionatos, lares de idosos, etc. É por isso que, numa terminologia mais correcta, o termo adoptado seja normalmente o de “habitação pluri-familiar”, por oposição à moradia ou vivenda destinada a um só agregado. No entanto, hoje em dia, a realidade mostra que em edifícios desse tipo uns tantos alojamentos (ou células, fogos ou apartamentos) sejam ocupados por pessoas sós.
É por todas estas razões, e também pela diversidade das soluções abrangidas, que o termo mais adequado poderia ser simplesmente o de “habitação agrupada”. Isto, porque, no que respeita a tipologias arquitectónicas, seja habitual falar-se em “formas de agrupamento”, as quais, na gíria profissional, se podem organizar na horizontal (usando o francesismo “banda”, que fez desaparecer o portuguesíssimo “correnteza”), na vertical (torre), ou ainda nas duas dimensões (bloco).
Estas precisões terminológicas têm sobretudo a ver com a conformação física ou construtiva dos edifícios. Porque, se forem tidos em conta aspectos de ordem funcional, pode dizer-se que, qualquer que seja a forma de agrupamento, o carácter colectivo pode variar consideravelmente de intensidade – ou estar mesmo ausente, como será o caso de um conjunto de moradias em banda. Por isso se pode falar de habitação “mais colectiva” ou “menos colectiva”.
Nos exemplos que ilustram a presente comunicação, e que se estendem ao longo de 40 anos de trabalho, podem encontrar-se diferentes formas de agrupamento e também casos de elevada, média e baixa intensidade colectiva. E não deixa de ser interessante verificar as semelhanças entre a solução mais antiga (Braga, 1950) e as mais recentes (Oeiras, 1990). Isto, porque se trata de conjuntos de edifícios alinhados de 4 pisos, dotados de escada central, com dois fogos por piso, e que de “colectivo” apenas têm a estrutura e o envólucro, os acessos (entrada e escada) e as infraestruturas (água, gás, electricidade e esgotos). É assim que a presente comunicação, constituída por uma viagem através de soluções apresentadas por ordem cronológica e que foram variando, não só de acordo com o contexto e o programa, mas também segundo concepções muito datadas dos modos de habitar, poderia ter como título “Do esquerdo/direito ao esquerdo/direito”.
Efectivamente, da análise sequencial dos exemplos apresentados ressalta com muita nitidez a evolução das soluções adoptadas para o sistema de acesso aos fogos, sobretudo nos projectos de habitação social, traduzidos geralmente em galerias exteriores, propiciando o convívio entre os moradores. Esta questão tem a ver com a preocupação de manter as relações de vizinhança existentes nos bairros de origem ou mesmo de as favorecer, de acordo com práticas de ajuda mútua entre famílias de baixos rendimentos.
Olhando mais tarde para tais soluções, verificou-se que se tratava de uma “mitificação” do social, e por isso elas foram progressivamente abandonadas, chegando-se à conclusão que os moradores – e sobretudo os da segunda geração – ambicionavam viver em casas como as de “toda a gente” – isto é, como as da produção imobiliária corrente. Esta percepção, para a qual contribuíram as leituras do sociólogo francês Chombart de Lauwe, veio a ser plenamente confirmada mais tarde, verificando-se hoje que aqueles espaços de “socialização”, mais não servem do que para acesso às habitações.
1. Conjunto de Casas de Renda Económica – Braga, 1950
Solução simples de esquerdo/direito. As caves, com acesso pela fachada posterior, são aproveitadas, não para garagens, como hoje seria óbvio, mas para arrecadações ou até pequenas oficinas, dado que os destinatários não sonhavam um dia poderem ter acesso a um automóvel.
2. Bloco das Águas Livres – Lisboa, 1953
Neste projecto procurou-se levar ao máximo os espaços e serviços colectivos para os moradores, nada usuais na época. Para além de lojas de primeira necessidade (hoje votadas a outros usos, por falta de rentabilidade), desde logo garagem, arrecadações, lavandaria, jardim e sala de condóminos dotada de um amplo terraço. E, para além disso, recepção, evacuação de lixos, monta-cargas para mobílias e fornecimento de água quente, dispensando assim os esquentadores domésticos.
3. Unidade de Habitação Cooperativa – Lisboa, 1954
Conjunto residencial de carácter social, incluindo serviços de apoio às famílias, como infantário. Galerias exteriores de distribuição, como forma de reduzir o custo dos acessos e de favorecimento do convívio entre vizinhos.
4. Torre de habitação de renda económica – Olivais, Lisboa, 1957
Grande desafogo conferido aos patamares de distribuição (4 fogos/piso), proporcionando envidraçados com amplas vistas, banco e obras de arte, por forma a torná-los espaços convidativos para o convívio. Cobertura em terraço com pequenas arrecadações e estendais para grandes peças de roupa.
5. Edifícios em banda de renda económica – Olivais, Lisboa, 1957
Edifícios simples de esquerdo/direito, mas dotados, frente a cada entrada, de construções satélites destinadas a arrecadações individuais e a um espaço alpendrado, também para proporcionar condições de convívio entre os moradores.
6. Conjunto de renda económica – Barcelos, 1958
Solução de habitação agrupada na orla da cidade, em que o carácter colectivo está quase ausente, pois trata-se de unidades de alojamento sobrepostas mas com acesso independente da via pública e dispondo de logradouros privativos.
7. Blocos de habitação social – Olivais Sul, Lisboa, 1962
Conjunto de edifícios em que é dada particular ênfase às galerias de distribuição, funcionando à época como zonas de convívio. Em alguns dos pisos térreos foram projectados espaços destinados a fins diversos, como garagens, oficinas ou lojas.
8. Urbanização do Restelo – Lisboa, 1970
Conjunto residencial promovido para a classe média, estruturado em quarteirões semi-abertos e integrando duas tipologias distintas: bandas de moradias e blocos multi-familiares nos quais predominam os fogos duplex e em que uma única galeria foi prevista como rua elevada, para acesso aos pisos superiores, já sem quaisquer intenções de espaço de convívio.
9. Conjunto habitacional de Laveiras/Caxias, Oeiras, 1987
Blocos pluri-familiares para realojamento alinhados ao longo de arruamentos seguindo os desníveis do terreno e por forma a favorecer a consolidação do tecido urbano envolvente, ainda em construção. Módulos de construção com escada central e dois fogos/piso. Aproveitamento do declive para multiplicar os logradouros privativos e estruturas anexas a concluir para garagens, oficinas, etc. Piso térreo da artéria principal dotado de galeria comercial.
10. Conjunto habitacional do Alto da Loba, Oeiras, 1990
Destinado a realojamento, com quarteirões mais compactos e utilizando módulos de esquerdo/direito. Espaços térreos previstos para comércio. Tal como no projecto de Laveiras, ausência dos chamados “espaços verdes” de carácter residual, em favor dos logradouros privados e concentrando o espaço público em pequenos largos.
Nota sobre co-autorias
2. Bartolomeu da Costa Cabral
3. Bartolomeu da Costa Cabral
4. Nuno Portas
5. António Freitas
7. Bartolomeu da Costa Cabral
8. Nuno Portas, Pedro Botelho, João Paciência
9. Pedro Botelho
10. Pedro Botelho