Associativismo Atividade política

Movimento de Esquerda Socialista (MES) (1974-1981)

O Nuno, construtor do Movimento de Esquerda Socialista (MES)

Ao contrário de todos os outros partidos, o MES nunca teve um secretário-geral. Tratou-se de uma aventura genuinamente coletiva. Mas, para nós, militantes, o Nuno era ─ pela sua estatura política, dimensão ética e brilhante carreira profissional ─ a nossa grande referência moral. Seguramente o dirigente do MES com mais prestígio dentro e fora dele. Uma espécie de Presidente. Esteve em todas…do princípio ao fim.

O MES constitui-se pela confluência de quatro pilares: personalidades da ala esquerda da CDE, católicos radicalizados no combate anticolonial, estudantes da corrente Todo o Poder aos Cursos e sindicalistas e operários dos Grupos socioprofissionais mistos. Confluência de duas gerações políticas. Aquela que emergira com o furacão Delgado, se afirmara na luta estudantil de 1962 e se legitimara com o Concílio Vaticano II. E a que nasce com o maio francês, a derrocada moral do estalinismo nas ruas de Praga e o agudizar do imbróglio colonial.

O que é que ligava esses grupos? A ideia de um socialismo participativo, uma análise fina das contradições do marcelismo, uma aposta no trabalho no interior do país e num permanente esticar das margens da legalidade. O seu anticapitalismo radical afastava-os dos socialistas. O seu antitotalitarismo incompatibilizava-os com os messianismos grupusculares e o estalinismo do PCP.

Essas frentes gozariam, até ao 25 de Abril, de uma razoável autonomia. Pontes começam a ser construídas. A partir de 1970, virariam verdadeiras sinergias. É a fase conhecida como de “proto-MES”, na qual o Nuno terá um papel de primeiro relevo e o seu atelier será palco de inúmeras reuniões conspirativas.

Com o 25 de Abril de 1974 abre-se um tempo de vertigem. Nuno sai quase diretamente da prisão para o Centro Nacional de Cultura (29) para a criação da sigla MES e daí para ser um dos oito intervenientes no famoso Comício do 1º de Maio, ao lado de dois outros camaradas seus (Manuel Lopes e Jerónimo Franco). Participa, de seguida, na azáfama militante e na organização popular, integra a primeiríssima Comissão Organizadora, ajuda a formar os núcleos do MES e a animar os debates preparatórios do I Congresso.

Congresso que confirmaria a inviabilidade da unidade interna. Nuno fica do lado dos vencedores, é eleito (22 dezembro) para a Comissão Política Nacional e é ele quem discursa na sessão pública da Aula Magna. Décadas mais tarde (2008), ao rever esses anos de brasa, consideraria que a «cisão foi uma verdadeira tragédia» e responsabiliza-a em parte pela «deriva esquerdista do MFA, que foi fatal». Mas, claro, a história não produz contraprova.

E o ano de 1975? Meses de autêntica alucinação. Apesar do abalo da cisão, este período é de grande crescimento interno e de forte dinâmica externa do MES que assumirá uma linha política – a da construção do Poder Popular – que defenderá com coerência. À esquerda do PCP e a léguas do PS. Mais conselhista que leninista. Um acumular de forças (gramsciano) dessa emergente organização popular. Bem plasmada aliás no “Documento-Guia” do MFA, sinal da ascendência do Movimento junto da sua ala esquerda.

Mais talhado para o combate cívico do que para a manobra política, Nuno não é um ideólogo. É um alto dirigente, que está na primeira linha desse processo: Assembleias de Militantes, movimento popular, denúncia do golpe spinolista, combate pelas nacionalizações e pela unicidade sindical, solidariedade com Angola e o MPLA, crítica ao documento dos nove, participação na FUP/FUR e apoio aos SUV. Representa o partido nas independências de Moçambique e Angola. Pelo meio, o MES, embora algo sobranceiramente, decide estar presente nas primeiras eleições democráticas. Faz um esforço por se legalizar e Nuno é o seu primeiro subscritor. Dá a cara na campanha da RTP, sendo cabeça de lista por Portalegre.

Com o 25 de novembro encerra-se o período de crise revolucionária em Portugal. Em plena ressaca, emergem tentações leninistas. O MES realiza o seu II.º Congresso (fevereiro 76) e ainda se anima, até finais desse ano, com a campanha de Otelo e com os GDUPs. Para, a partir de 1977, se virar para dentro e para um progressivo apagamento.

Nuno é eleito para o Comité Central nos II e III congressos e faz parte de todas as suas Comissões Políticas. Quando na segunda (e última) participação eleitoral do MES a sua direção decide fazer um esforço para eleger um deputado, é Nuno Teotónio Pereira que é escolhido para cabeça de lista por Lisboa. Sem sucesso. Ainda chefia a delegação oficial que visita Cuba (junho 76) e participa ativamente no debate político interno rumo à estação final …

O MES extinguiu-se, em festa. Num jantar, em Lisboa, no Mercado do Povo (7 novembro 81). Era, explicitamente, a formalização de um fim de ciclo. Rebeldes e independentes… cada um era livre de seguir o seu caminho

Estamos nos finais dos anos 90. O MES desaparecera há cerca de dez anos. Mas o Tribunal Constitucional resolve limpar a lista oficial de partidos legalizados. Como primeiro subscritor, Nuno foi chamado e confrontado com duas opções: ou pagava uma coima… ou assinava uma declaração em que considerava o MES extinto. Foi o que fez, após contactar ex-camaradas seus.

Esteve em todas… do princípio ao fim.

Paulo Bárcia
Fevereiro de 2022

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