Associativismo Atividade política

BAC – Boletim Anti-Colonial (1971-1973)

Romper o manto de silêncio sobre a guerra de África tornava-se dia-a-dia mais imperioso, nem que fosse de novo recorrendo ao estratagema da imprensa clandestina. Havia antecedentes importantes, o “Direito à Informação”, os Cadernos GEDOC, a circular da Comissão Nacional de Socorro aos Presos Políticos. Em todos eles, a mão e a marca do Nuno Teotónio Pereira.

Mas fazia falta alguma coisa dirigida especificamente à política colonial, por isso, partilhando esforços com o grupo do Porto (com relevo para a participação do José Soares Martins e do António Melo), foi possível difundir, em 1971, os “7 Cadernos sobre a guerra colonial”, uma volumosa compilação de textos proibidos, meticulosamente dactilografados pela Natália Teotónio Pereira.

O passo seguinte seria organizar, já em 1972, uma pequena estrutura de activistas que montasse um sistema de permanente fonte de informação. Com regularidade, um grupo começou a reunir-se em casa da Maria de Fátima Ribeiro e do economista Manuel Brandão Alves: além do próprio Nuno, a Gabriela Ferreira, assistente social com experiência de África, a Maria do Rosário Leal de Oliveira, bióloga e investigadora, o Luís Moita, na altura com trabalho precário no Ministério da Educação e, o mais novo de todos, o José Dias, ainda estudante. De início foram saindo cadernos policopiados, algo dispersos, com relevo para as denúncias de crimes de guerra praticados pela tropa portuguesa em África (massacres de populações civis, utilização de armas proibidas como o napalm, tratamento de prisioneiros em violação das convenções internacionais) e para as estatísticas das baixas militares (bastava uma contabilização feita a partir das notícias oficiais diárias sobre os mortos “em defesa da pátria”). Pouco a pouco chegavam relatórios militares portugueses que permitiam acompanhar a situação no terreno. Sobretudo, porém, chegavam informações vindas dos movimentos de libertação. Entre outros numerosos recursos, recebia-se a publicação do Comité Angola de Amesterdão, Facts and Reports, com uma utilíssima compilação das notícias da imprensa internacional.

O acumular destes elementos veio permitir três dados novos: um centro de documentação, um boletim regular, uma rede de difusão. O centro de documentação foi instalado em duas divisões autónomas da casa da Luísa Sarsfield Cabral, armazenando em lugar seguro todos os materiais disponíveis. O boletim passou a ter uma periodicidade regular, foi designado BAC-Boletim Anti-Colonial, e foi publicado até que as prisões do mês de Novembro de 1973 desmantelaram o grupo e a sua intervenção política. A rede de difusão era suportada pelo Padre Ismael Gonçalves, pároco de Igreja Nova, próximo de Mafra, onde o boletim era policopiado, e pelo Pedro Soares Onofre, professor de motricidade humana, que coordenava o grupo de voluntários que asseguravam a distribuição do boletim, ora de mão em mão, ora pelo correio, em envelopes falsos.

A seguir ao 25 de Abril, a editora Afrontamento, do Porto, editou em livros os “7 Cadernos” e todos os números saídos do BAC, tornando acessível o seu conteúdo, referenciado a momentos relevantes da guerra, da situação nos territórios colonizados, como foi o trauma do assassinato de Amílcar Cabral, e da resistência anti-colonial em Portugal, como a greve da fome na Capela do Rato em Lisboa. Em todas estas iniciativas, que constituíram a mais consistente manifestação do anti-colonialismo em Portugal, sobressaía a liderança, sempre discreta e determinada, do Nuno Teotónio Pereira.

Luís Moita
Dezembro de 2021

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