Em julho de 1971 o Nuno deu uma longa entrevista a Mário Mesquita, com vista a ser publicada mais tarde como parte de um livro*. A certa altura, foi esta a conversa:
“MM – Um jornalista francês distinguiu três projectos que distinguiam as forças socialistas: por um lado certas margens de direita atraídas pela tecnocracia capitalista: via social-democrata; por outro lado a atracção pelo aparelho partidário comunista e pela unidade da esquerda: via chilena; por último a atracção pelo esquerdismo e pela luta revolucionária: via dos conselhos operários. Por qual destes três projectos optaria?
NTP – A questão é colocada em relação a problemas concretos do socialismo francês que não são de maneira nenhuma os do nosso socialismo aqui em Portugal. Por outro lado não vivo, não conheço a problemática da esquerda francesa e creio que as diferenças entre o contexto francês e o nosso em relação a estes problemas são tão grandes que me vejo impossibilitado de estabelecer qualquer paralelo. Não estou habilitado com instrumentos teóricos para enquadrar a questão e, como já disse, tenho sempre grande dificuldade em fazer juízos sobre situações que não correspondam a situações concretas.
MM – Poderá, no entanto, indicar algumas linhas de força sobre as características do socialismo que defende?
NTP – Parece-me fundamental que os homens envolvidos na produção possam tomar decisões sobre os meios de produção correspondentes e essa característica deverá ter uma expressão correspondente num plano político. Portanto, dos três vectores que indicou, penso que corresponderá melhor ao socialismo de que temos necessidade o terceiro, ou seja um projecto socialista que tenha como fulcro a actividade de conselhos operários, numa perspectiva de certa autonomia das unidades de produção e, no plano político, de sectores ou regiões; mas tudo isto me parece extremamente utópico em relação à nossa situação actual. Penso que o socialismo que se pratica noutras zonas do planeta terá necessariamente influência na nossa situação concreta, por outro lado o socialismo português terá de ser uma descoberta nossa, fruto duma prática que procuraremos iniciar aqui; o socialismo deve ser uma obra de criação e de construção progressiva de comunidades humanas.”
(…)
MM – Nas eleições de 69 abandonou-se a habitual fórmula unitária da oposição em Lisboa, Porto e Braga. Considera que essa vai ser uma constante para o futuro ou ainda se justifica a manutenção da tradicional unidade?
NTP – Não conheço directamente os casos do Porto e Braga mas creio que talvez não houvesse razão nesses casos para uma divisão da frente oposicionista. No que se refere a Lisboa a divisão foi salutar no sentido de encaminhamento para o futuro; no sentido de distinguir métodos que envolvem conteúdos políticos diferentes. Creio que a campanha conduzida pela CDE de Lisboa visava um trabalho com as massas que não foi possível, como disse, desenvolver no curto período de uma campanha eleitoral, mas que pode ter prolongamentos futuramente.
MM – Por que faz política?
NTP – Nenhum homem consciente que faz parte duma comunidade se pode furtar à acção política. Até por temperamento não me sinto nada virado para a política. As minhas intervenções no campo político eram mais do tipo cívico, de defesa das liberdades e luta pela justiça, mas sinto que não me posso furtar à acção política, visto que faço parte de uma comunidade de pessoas que tem problemas extremamente graves e, portanto, sinto-me solidário com os outros homens no sentido de procurar uma solução justa para esses problemas. A procura dessa solução só pode ser obtida por via política.
MM – É optimista ou pessimista quanto ao futuro de Portugal?
NTP – Não posso separar o futuro de Portugal do futuro da comunidade internacional. Tenho uma certa dificuldade em separar este país de uma forma isolada e sobretudo tenho dificuldade em vê-lo, como muitas vezes nos é apresentado pela propaganda oficial, apostado numa espécie de maratona em concorrência com outras nações. O nosso futuro como portugueses pode reservar-nos um papel importante dentro da comunidade internacional, mas não em competição com outros países. Embora as condições actuais justifiquem uma visão pessimista – o desperdício de energias, o afastamento de muitos dos melhores valores nacionais para o estrangeiro, os sacrifícios injustificados e nocivos que nos são impostos por causa da guerra em África – embora todo este quadro seja extremamente sombrio, penso que podemos vir a ter um futuro honroso e humano.”
Três anos mais tarde, recém-saído da prisão de Caxias, o Nuno participou ativamente na fundação oficial do MES e em todo o seu percurso.
CONTEÚDOS RELACIONADOS
*Ver Testemunho de Mário Mesquita
Ver Movimento de Esquerda Socialista (MES)